Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Henrique Nogueira Neme (PUC-SP)

Minicurrículo

    Mestre e doutorando em Comunicação e Semiótica (PPGCOS/PUC-SP). Bolsista CNPq. Integrante do Grupo de Pesquisa eXtremidades: redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea. Diretor, roteirista e editor de vídeo, graduado pela FAAP.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinemas outros, mundos desordenados pela temporalidade espiralar

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    Empregando o jogo de leitura da “abordagem das extremidades” (MELLO, 2017), analisaremos os modos contrastantes dos filmes “The Unseen River” (Vietnã, 2020) e “Neptune Frost” (Ruanda, 2021) instaurarem temporalidades espiralares (MARTINS, 2021), através da articulação de planos e seus respectivos enquadramentos. Como a articulação cinematográfica em imagens e sons pode contribuir para a quebrar o “mundo ordenado” segundo o sujeito universal, hegemônico (FERREIRA da SILVA, 2019, 2022)?

Resumo expandido

    Em “The Unseen River” (2020, Vietnã), de Pham Ngoc Lam, o plano médio inicial mostra o casal formado por um homem e uma mulher sob uma moto. Ao fundo, fora de foco está o rio e o seu movimento. Movimento que também se reflete nos cabelos da mulher que balançam e nas reações do olho do homem ao vento que encosta no seu rosto. Nesta imagem, não conseguimos enxergar o chão e a moto, na qual o casal está sentado, parece flutuar. Porém, há outro aspecto interessante nessa imagem, não há indícios que nos determine se essa moto movimenta-se numa estrada, se ela flutua magicamente ou se está apoiada numa plataforma que a carrega. Apesar de enxergarmos, ao fundo, o rio desfocado em fluxo, nada nos garante se esse casal encontra-se numa estrada ou numa balsa. O casal que flutua sob a moto, sob o rio, provoca-nos sensações, afecções e, também, estranhamento. Um estranhamento que condiz com uma temporalidade indefinida já apresentada neste plano inicial.

    Mais adiante, em “The Unseen River”, a montagem paralela alternará momentos vividos pelo casal da moto e um outro casal, formado por uma mulher e um homem idosos, cujo reencontro se deve ao rio que, antes, encontrava-se envolvendo o casal da moto. Nessa montagem paralela, ao decorrer do filme, esvazia-se a expectativa por uma concatenação dramática entre os dois casais, o rio e outros elementos da natura. A montagem não visa conectar os planos enquanto cadeias narrativas, não determinando significações sobre os corpos humanos e mais que humanos em relação ao espaço e ao tempo. Estamos diante de corpos posicionados no futuro, no passado ou no presente? Não é da intenção do filme definir, mas permitir que a temporalidade espiralar manifeste-se sobre os corpos, que bailarinam nessa tempo espiralar (MARTINS, 2021). Não somente os corpos dos dois casais, jovem e idoso, mas o próprio rio aparenta espiralar conjuntamente à presença dessa temporalidade que se instaura no decorrer da obra.

    “Neptune Frost” (2021, Ruanda), de Anisia Uzeyman e Saul Williams, também traz a presença de uma temporalidade espiralar nos modos do filme articular planos e corpos. “A pessoa é a materialidade do que prevalece na temporalidade agora, habitada de passado, de presente e de um provável futuro, um em ser e um sistema no qual incide a ontologia ancestral” (MARTINS, 2021, p. 63). Em “Neptune Frost”, os gestos, as vestes, entre outros detalhes focalizados pelos planos, aparentam transformar constantemente o filme, suas paisagens, seus corpos. Há a circulação de uma “força vital” em todas as coisas, que aparenta se materializar em cada plano articulado pelo filme.

    Embora sejam duas obras cinematográficas de países e culturas diferentes, as obras compartilham entre si o trabalho cinematográfico de temporalidades outras, não progressivas e não cronológicas. Esse trabalho configura experiências estéticas responsáveis por trazer perspectivas outras: não racistas e não patriarcais. Pois são perspectivas que confrontam a “analítica da racialidade” (FERREIRA da SILVA, 2019, 2022), presente numa visão de mundo dos cinemas centralizados no eixo Estados Unidos-Europa. Porque reconfiguram noções de Espaço e Tempo ordenadas numa causalidade e sequencialidade de um “mundo ordenado”, tão necessárias ao Sujeito universal pós-iluminista, referente à visão de mundo hegemônica branca e europeia (FERREIRA da SILVA, 2022). Nesta comunicação, vamos analisar os contrastes e encontros entre as duas obras através do jogo de leitura da “abordagem das extremidades” (MELLO, 2017) e propor a reflexão: como a articulação cinematográfica em imagens e sons, através de planos e seus respectivos enquadramentos que dão abertura a temporalidades outras, podem contribuir para a quebrar a ordem de um mundo ordenado segundo o sujeito universal (hegemônico)?

Bibliografia

    ELSAESSER, Thomas; HAGENER, Malte. Cinema: uma introdução através dos sentidos. Campinas: Papirus, 2014.
     
    FERREIRA da SILVA, Denise. A Dívida Impagável. São Paulo: Casa do Povo, 2019.

    FERREIRA da SILVA, Denise. Homo Modernus – para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.

    GONÇALVEZ, Osmar. Narrativas Sensoriais. Circuito: Rio de Janeiro, 2014.

    LOPES, Nei, SIMAS, Luiz Antonio. Filosofias Africanas: uma introdução. Civilização brasileira: Rio de Janeiro, 2022.

    MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

    MELLO, Christine. Extremidades: experimentos críticos. In: MELLO, Christine. (org.). Extremidades: experimentos críticos – redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea. São Paulo: Estação Letras & Cores, 2017.