Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Erly Milton Vieira Junior (UFES)

Minicurrículo

    Erly Vieira Jr é Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2012), com pós-doutorado em Cinema no PPGCINE-UFF (2020). É professor no Departamento de Comunicação Social da UFES, na área audiovisual. Também é coordenador do grupo de pesquisa Comunicação, Imagem e Afeto (CIA). Autor dos livros Plano Geral: Panorama histórico do cinema no Espírito Santo (2015), Realismo sensório no cinema contemporâneo (2020) e Rasuras: 40 anos de vídeo experimental no Espírito Santo (2021), entre outros.

Ficha do Trabalho

Título

    Grandones bailam: Corpes gordes e coreografias cuir (videoensaio)

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Como o audiovisual pode dialogar positivamente com as experiências de corpes gordes cuir, a partir de suas potências performativas e de suas coreografias cotidianas? Este videoensaio busca compreender como elementos da linguagem audiovisual e modos de engajamento sensório são ressignificados numa nova e atrevida iconografia de corpes grandones e carnes indisciplinadas, presente no cinema contemporâneo, videoclipes, registros da cultura Ballroom e autorrepresentações em vídeos de redes sociais.

Resumo expandido

    Em primeiro lugar, aqui não há espaço para as imagens e discursos estigmatizantes e patologizantes ainda hoje promovidos por filmes como A baleia (2022). Em lugar de entender corpes gordes não-heteronormatives como inadequades, doentes ou desprovides de mobilidade, a proposta é mergulhar num arquivo de imagens e sons (em sua maioria oriundas do audiovisual contemporâneo) para fomentar um debate mais instigante sobre uma nascente iconografia que os apresenta como corpes potentes, desejantes e desejades, atrevides e não-conformistas. Suas adiposidades e formas arredondadas/avantajadas impõem uma necessidade de ressignificação dos usos de elementos da linguagem audiovisual (enquadramentos, ângulos de câmera, janelas e outros elementos sonoros e visuais) em busca de representações que rompam com as desgastadas imagens aprisionantes, há tanto tempo naturalizadas no audiovisual hegemônico.

    Esses produtos audiovisuais, que incluem filmes, videoclipes, videoartes, registros (caseiros ou documentais) de manifestações da cultura ballroom e vídeos veiculados em redes sociais (como Instagram e Tik Tok), buscam valorizar as diversas coreografias cotidianas presentes nas performances, entendendo-as simultaneamente como práticas estéticas e políticas (LEPECKI, 2012) de sujeites que propõem outros sentidos (e partilhas espectatoriais) à experiência de “habitar a gordura” (CONTRERA, 2012), a partir de uma imaginação política cuirizada capaz de abraçar suas plateias a partir de uma multiplicidades de desejos e de novas estratégias de desidentificação, afiando o gume de termos como “adipositivity”, usualmente atrelados a discursos por demais obedientes.

    Tais obras mostram corpes grandones em toda sua mobilidade e bailado, seja nos gestos corriqueiros, nas danças (como o vogue, o funk brasileiro, o hip hop e o discopunk), caminhadas, interações sexuais e demais trocas afetivas, buscando repensar os modos de apresentação de pessoas gordas para além da espetacularização grotesca, e entendendo seus excessos pela chave da graça, agilidade, tesão e sedução.

    Daí a necessidade de atentar para os diversos modos de engajamento sensório que essas imagens lançam mão para aproximar suas plateias a partir de uma convocação corpórea bastante direta. Afinal, uma fartura de carnes, dobras e superfícies, com suas peles mais extensas, propõe outras amplitudes para as experiência hápticas, as ressonâncias carnais e as propostas sinestésicas e cinestésicas que afetam e mobilizam corpos espectatoriais.

    Vemos aqui também que essas imagens são atravessadas por discursos e demandas da própria comunidade cuir e gorda, seja nos investimentos permanentes em busca de formas mais interessantes de influencer e tiktokkers gordes registrarem imageticamente seus corpos e performances, a partir de composições visuais inovadoras dentro de enquadramentos verticalizados ou quadrados, ou mesmo no acolhimento aos mais diversos tipos de corpos que transitam pelo ballroom, que se traduz na adoção de novos modos de filmá-los, visando dar conta de sua diversidade de poses, gestos e movimentos. Outras propostas seguem por teritórios cujas intenções autorais já são mais consagrados, como a autorrepresentação ficcional dos filmes de Fábio Leal ou a performatividade artística e encantatória das obras de Jota Mombaça e Ventura Profana. Somam-se a elas a performance musical dos videoclipes de Jup do Bairro, Beth Ditto e Missy Elliott, bem como as interações sexuais de alta voltagem háptica em “As filhas do fogo” (Albertina Carri, 2019).

    Tendo como ancestral a presença de Divine nos filmes de John Waters, e como um farol a performance de vestes infláveis de Missy Elliott, no clipe de “The Rain” (que reinventam com sabor e ironia a figura sagaz da sapatão gorda), e culminando nas delícias do corpo sem juízo de Jup do Bairro, este videoensaio busca traçar afinidades eletivas entre as diversas possibilidades carnudas e desejantes de corpes tão incansáveis e gigantes em sua desobediência.

Bibliografia

    AHMED, Sara. Queer Phenomenology: orientations, objects, others. Durkham/London: Duke University Press, 2006.
    CONTRERA, Laura e CUELLO, Nicolás. Cuerpos sin patrones: resistencias desde las geografias desmesuradas de la carne. Buenos Aires: Madreselva, 2016.
    LEPECKI, A. Coreopolítica e coreopolícia. ILHA: Revista de Antropologia, Santa Catarina, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. 2012.
    MORALES et al. Fat and queer: An anthology of queer and trans bodies and lives. London/ Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers, 2021.
    MUÑOZ, José Esteban. Disidentifications: Queers of color and the performance of the politics. MInneapolis: University of Minnesota Press, 1999.
    VIEIRA JR, Erly. “Estéticas da corporeidade e espectatorialidades à flor da pele no cinema contemporâneo”. IN: Visuais, n.13, v.7, 2021.