Ficha do Proponente
Proponente
- Luiza Cristina Lusvarghi (Unicamp)
Minicurrículo
- Crítica de Cinema, professora, curadora e pesquisadora da Pós-Graduação em
Multimeios da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, SP), editora da Revista
Zanzalá (https://periodicos.ufjf.br/index.php/zanzala)
É integrante do Genecine (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e
Audiovisuais), da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e dos
coletivos Elviras de Críticas de Cinema, Manifesta e Mais Mulheres do Audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- O Feminino Fantástico da América Latina: O Conde e O Animal Cordial
Seminário
- Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas
Formato
- Presencial
Resumo
- A narrativa fantástica do cinema latino-americano não se resume a ecos do realismo mágico ou real maravilhoso, tão popularizados mundialmente nos escritos de Gabriel García Márquez, Isabel Allende, Julio Cortázar e Jorge Amado . O estudo pretende abordar as personagens femininas distópicas de dois filmes recentes que navegam nas águas do fantástico para expor feridas sociais e culturais entranhadas na carne e no coração: a contadora e beata Carmencita e a garçonete Sara.
Resumo expandido
- A produção recente latino-americana assinala a presença de obras que exploram formatos narrativos associados ao fantástico que se diferenciam do que ficou conhecido como realismo mágico ou real maravilhoso em décadas recentes. A crítica social é um componente forte dessa produção, embora não seja o único. Trata-se de uma tendência distante do realismo mágico atribuído a produções baseadas sobretudo na literatura latino-americana, particularmente de autores como Gabriel García Márquez, Miguel Ángel Asturias, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, e que inspiraram adaptações para o cinema e televisão.
A recepção à obra de Todorov nos anos 1970 levou a teoria literária ocidental a incorporar o termo fantástico e maravilhoso, embora a definição do que seja “fantástico” esteja longe de ter uma conclusão e não seja o objetivo desta apresentação. Para Tzvetan Todorov (1969), o fantástico se expressa quando “num mundo que é bem o nosso, tal qual o conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mundo familiar”. A naturalização seria mais uma opção de quem experiencia a fruição, e não do autor, o fantástico maravilhoso deixa em aberto essa opção na obra. O maravilhoso estaria naturalmente associado ao imaginário fantástico de origem europeia, com a presença naturalizada de dragões, elfos, fadas, talismãs, enquanto o fantástico traria o pressuposto de uma ruptura com a lógica natural do universo e do cotidiano.
Nem fadas e nem elfos povoam as cenas de filmes como O Conde (2023), de Pablo Larrain, ou O Animal Cordial (2017) de Gabriela Amaral Almeida. O horror e o fantástico estão em função do desequilíbrio, da distopia, e são personagens femininas monstruosas que vão provocar uma ruptura em meio a esse estado de coisas e colocar o dedo na ferida ainda que de forma totalmente inconsciente. A beata Carmencita e a garçonete Sara, o que elas possuem em comum?
Como nos alerta Creed em suas análises sobre o feminino monstruoso, os filmes de horror sempre foram povoados por monstras, muitas delas evocadas a partir de imagens que assombram os pesadelos infantis, mitos ancestrais que se criaram há séculos em diferentes culturas, como é o caso da Pontianak, vampira e mãe, que pontua diversas narrativas do cinema malaio popular. Essa monstruosidade feminina pode assumir diversas facetas: a da mãe amoral e arcaica (Aliens, 1986), a vampira (Fome de Viver, 1983), a bruxa (Carrie, 1976), mas “apesar de que muito se escreveu sobre o filme de horror, poucos trabalhos discutiram efetivamente a mulher monstruosa. Em vez disso, a ênfase é quase sempre sobre a mulher como uma vítima do (em geral masculino) monstro (CREED, 2007, p.12) A autora acreditava, ao escrever essa obra originalmente em 1993, que as teorias feministas haviam negligenciado em suas análises o papel da mulher como monstra, nem sempre encarnando o mal, dentro dos filmes de horror popular.
Em narrativas distópicas contemporâneas, o corpo feminino é espaço de disputas, e ora se coloca como o da alien ou da ciborgue que encarna a fêmea fálica e devoradora, ora como o ventre disponível para gestar um novo mundo, ainda que a ciência esteja cada vez mais apta a descartar essa possiblidade. A beata Carmencita e a histérica Sara, no entanto, representam, ao menos aparentemente mulheres comuns, que se colocam em situações de de risco para chegar à verdade, o que pode lhes custar a vida, e conferir a elas uma natureza monstruosa,.
Bibliografia
- CREED, B. The monstrous feminine: Film, feminism, psychoanalysis. Londres: Routledge, 1993ª
GALT, R. Alluring Monsters. The Pontianak and Cinemas of Decolonization. Columbia University Press, 2021.
MULVEY, Laura. Prazer Visual e Cinema Narrativo in A Experiência do Cinema, Ismail Xavier (org,). São Paulo: Paz e Terra, 1983, P. 577-603.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica, trad. Maria Clara Correa Castello,2a ed., São Paulo: Perspectiva, 1992