Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno F. Duarte (UFRJ)
Minicurrículo
- Bruno F. Duarte é doutorando e mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ. Graduado em Cinema pela PUC-Rio. Pesquisador de filmes de não-ficção, com foco em raça, gênero e sexualidades. Curador da retrospectiva “Bixaria Negra — O cinema de Marlon Riggs”, no Instituto Moreira Salles, em 2022.
Ficha do Trabalho
Título
- Anotações sobre “Retrato de Jason” pensando cinema, raça e sexualidade
Seminário
- Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho propõe um exercício de anotações desde um olhar crítico sobre cinema de não-ficção, raça e sexualidade, de forma interseccional, para o processo de produção e corte final do documentário Retrato de Jason (Portrait of Jason, EUA, 1967).
Resumo expandido
- O documentário Retrato de Jason (Portrait of Jason, 105min, EUA, 1967) é considerado um clássico do cinema verité e também um dos trabalhos mais importantes da cineasta estadunidense Shirley Clarke (1919-1997). Há um conflito de informações sobre a duração das gravações, que variam de quatro a doze horas de filmagem, para um corte final de 105 minutos em preto em branco. A entrevista foi gravada no famoso Chelsea Hotel, onde Clarke vivia à época. No segundo capítulo de Afro-fabulations, o crítico Tavia Nyong’o propõe avançar a leitura sobre o filme considerando-o “uma exploração voyeurística de um sujeito vulnerável” para, segundo ele, baseado na proposta de leitura reparativa de José Esteban Muñoz, “reconhecer antagonismo e aspectos negativos ao invés de negá-los” (NYONG’O, 2018, p. 48, tradução nossa). Este olhar é lançado pelo autor tanto para as ranhuras físicas do filme, onde os pontos escuros são considerados também fontes de informação e não falta de imagem, quanto sobre a performance ambivalente do protagonista, a do garoto de programa negro e homossexual em estado constante de vulnerabilidade e a do artista em busca de uma audiência.
Neste trabalho, me proponho a um exercício de anotações desde um olhar crítico racializado e interseccional para o processo de produção e corte final do documentário Retrato de Jason. Há uma produção significativa de estudos sobre o Retrato de Jason na bibliografia sobre cinema documentário, seja em análises mais periféricas em pesquisas sobre cinema verdade e o impacto da extensa filmografia de Shirley Clarke, como no caso de Gilles Deleuze, até investigações mais profundas dedicadas exclusivamente à obra. Mas ao definir o jogo performático de Holliday como modelo para um fabulador, Nyong’o reconhece nele, além da habilidade de contar histórias, a capacidade de ao mesmo tempo “discloses the powers of the false to create new possibilities” (NYONG’O, 2014, p. 71). Holiday transforma o filme produzido por Clarke para provocar questionamentos a cineastas contemporâneos sobre cinema verdade no registro da própria imagem subversiva que buscava quando da adoção de seu novo nome. No trecho da entrevista reproduzido a seguir fica explícito o desejo e o sentimento de realização do entrevistado por ter uma obra dedicada exclusivamente a ele.
Ao longo do filme, o protagonista declara se sentir grande diante da tarefa de fornecer os elementos que serão utilizados no futuro para que a audiência julgue se ele é digno de amor ou de ódio. Independente do resultado, o senso de eternidade conferido por ele à película parece a moeda de troca perfeita. Em um artigo de 2011 sobre Retrato de Jason, Irene Gustafson, professora do departamento de cinema e mídia digital da Universidade da Califórnia, aborda este senso de sobrevivência através de imagens explicitadas na passagem acima ao mesmo tempo em que do ponto de vista mais formal aproxima o filme à série de “screen tests” de Andy Warhol. Gustafson argumenta que Retrato de Jason é um screen test e defende que o formato do filme está intimamente ligado à própria pergunta sobre quem (ou o que) é Jason Holliday. Fazendo um paralelo com a dinâmica de um teste de vídeo, onde aquele que é testado interpreta cenas e responde perguntas sobre si mesmo, a autora ressalta as possibilidades que a obra e a performance de Jason abrem para que outras ideias sobre masculinidades e negritudes venham à tona em um contexto político acirrado. Ao encenar performances de Mae West e Scarlett O’hara junto com suas próprias aventuras na vida noturna de Nova Iorque ou trabalhando como faxineiro na casa de mulheres brancas ricas, Jason ofereceria uma possibilidade de polo oposto à imagem de masculinidade negra que, por exemplo, o ator Sidney Poitier representou nos anos 1950 e 1960 na indústria cinematográfica dos EUA.
Bibliografia
- BARROS, L. M. de; FREITAS, K. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. Revista Eco-Pós, [S. l.], v. 21, n. 3, p. 97-121, 2018. DOI: 10.29146/eco- pos.v21i3.20262. Disponível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/20262. Acesso em: 17 abr. 2022.
DELEUZE, Gilles. Cinema 2 – A imagem-tempo. São Paulo: Editora 34, 2018.
GUEDES, Cintia. Entre o corpo-espetáculo e o corpo-memória: questões sobre raça e sexualidade nos filmes Paris is Burning e Línguas Desatadas. Catálogo Mostra Corpo e Cinema, Rio de Janeiro, 2016.
GUSTAFSON, Irene. Putting things to the test: Reconsidering Portrait of Jason. Camera Obscura, 77, v. 26, n. 2, p. 1-31, set. 2011.
NYONG’O, Tavia. Afro-fabulations: the queer drama of black gay life. Nova Iorque: NYU Press, 2019.
RENOV, Michael. The subject of documentary. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2004.