Ficha do Proponente
Proponente
- Isaac Pipano Alcantarilla (Unifor)
Minicurrículo
- Isaac Pipano desenvolve pesquisas na interface entre cinema e educação. Professor da Universidade de Fortaleza e Coordenador de Pesquisa e Inovação da Escola Porto Iracema das Artes. Doutor em Comunicação, é autor do livro “Isso que não se vê: teorias para cinemas e educações” e coautor do livro “Cinema de Brincar”, com Cezar Migliorin, com quem também codirigiu o documentário “Educação” (2017). Coordena o Grupo de Pesquisa Sobre a Imagem e o laboratório de documentários CineLab.Doc.
Ficha do Trabalho
Título
- A posição do espectador, redes neurais e os sintomas da pós-imagem
Formato
- Presencial
Resumo
- O presente trabalho entrelaça algumas concepções propostas por teóricos da imagem, a fim de investigar a posição do espectador em face às mudanças paradigmáticas do campo audiovisual, no cerne da inteligência artificial. Procuramos explicitar como a experiência cinematográfica, antes vista como passiva, oculocêntrica e universal, transforma-se em um processo reflexivo de engajamento crítico e sensível que se vê novamente ameaçado pela guinada tecnicista no âmbito das redes neurais.
Resumo expandido
- Algumas das principais teorias do cinema, historicamente situadas em torno do espectador, estão marcadas por uma tensão entre os paradigmas da passividade e da atividade. Essa problemática central reflete a tensão dual do espectador como um mero receptor de conteúdo e sua potencialidade como agente crítico produtor de significados. Tal dinâmica sugere que a experiência cinematográfica vai além do consumo visual, constituindo-se como um espaço de interação e reflexão. A nosso ver, entretanto, parece necessário um movimento que transcende a dicotomia entre atividade e passividade, para compreender o estado físico de imobilidade do espectador não como um sinônimo de inércia subjetiva. Refratário à ideia de que a emancipação se articula necessariamente com a tomada de posição ativa, como um chamado à ação, Rancière sugere uma conciliação entre o racional e o sensível, convocando a agência do espectador como uma operação na rede de signos que altera os modos de circulação do visível, audível e pensável. Em diálogo com o pensamento de bell hooks, algumas das noções desafiam a mera compreensão do espectador como um receptáculo de informações para posicioná-lo enquanto um operador capaz de agenciar intelectual e sensivelmente as imagens e discursos que o interpelam.
No contexto atual, marcado pela ascensão das imagens geradas por inteligência artificial, as noções tradicionais sobre o papel do espectador são novamente desafiadas, uma vez que as redes neurais introduzem novas camadas de complexidade na relação espectador-imagem, questionando os limites da autoria, da originalidade e da própria ontologia da imagem. Embora possam gerar imagens que incluem formas visuais, luzes, sombras e linhas baseadas em descrições textuais, o “entendimento” desses elementos é puramente funcional, orientador por padrões encontrados nos dados fornecidos por meio do aprendizado de máquina. As máquinas, portanto, são (ainda) incapazes de compreender os vínculos e relações contextuais no interior de uma imagem, uma vez que suas competências de “leitura” estão limitadas à identificação de padrões visuais e textuais para os quais foram treinadas, sem dimensão hermenêutica. Quer dizer, as máquinas não “veem” e “entendem” como nós.
Esse cenário exige uma reflexão crítica sobre como as imagens mediadas por IA podem influenciar a percepção e a interpretação do espectador, repensando as dinâmicas de poder e conhecimento no âmbito da produção e difusão de conteúdo visual, que não se exaure também na dicotomização máquina x humano. Para Giselle Beiguelman, não à toa a semiótica emerge como uma disciplina fundamental na era audiovisual devido à sua capacidade de desvendar os processos de significação por trás das imagens geradas por lógicas computacionais. Se as máquinas são capazes de reproduzir e gerar imagens a partir de palavras ou mesmo de outras imagens, seu modo singular de processamento (ainda) é incapaz de reconhecer a imagem enquanto lógica de sentido / sensação ou mesmo como algo cuja forma é capaz de afetar sensivelmente. A semiótica poderia oferecer então as ferramentas analíticas essenciais para entender como imagens e textos interagem, criando significados em novos formatos digitais.
Por outra via, temos argumentado como uma pedagogia das imagens ou da montagem suscita uma interação reflexiva com as imagens, incentivando uma postura crítica dos espectadores. Postura que, certamente, ressoa com a necessidade de uma compreensão contextualizada das imagens e o desvelamento de seus modos singulares de produção na sociedade contemporânea, à medida em que reconhece a importância de engajar os espectadores não apenas como “leitores” da mídia, mas como participantes ativos na criação de sentidos e sensações que operam na e com as imagens, reforçando a ideia de que as imagens são construções que estão entre nós, nos afetando e sendo afetadas pelo mundo.
Bibliografia
- BEIGUELMAN, Giselle. Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera. São Paulo: Ubu Editora, 2021.
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo (SP): Perspectiva, 2009.
hooks, bell. Olhares negros: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo Coutinho: entre o personagem fabulador e o espectador-montador. In: OHATA, Milton; COUTINHO, Eduardo (Orgs.). Eduardo Coutinho. São Paulo, SP, Brasil: Edições SESC : Cosac Naify, 2013, p. 375–388.
MANOVICH, Lev; ARIELLI, Emanuele. Imagens IA e mídias generativas: notas sobre a revolução em curso. Revista Eco-Pós, 26 (2), 16-39.
MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019.
MONDZAIN, Marie-José. Images (à suivre). Montrouge: Bayard, 2011.
PIPANO, Isaac. Isso que não se vê: teorias para cinemas e educações. Rio de Janeiro: Multifoco, 2023.