Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Leandro Santos Rodrigues (UFRB)

Minicurrículo

    Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Graduado na especialidade de Roteiro para Cinema e Televisão na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, Cuba (2017). Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2014). Foi curador e idealizador da Mostra Soy Cine para o VI Cachoeiradoc. Cineasta e pesquisador interessado em cinemas decoloniais, documentário, curadoria e roteiro.

Ficha do Trabalho

Título

    “Imagens verdadeiras” ou quando a imagem falta

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir do meu encontro, na ilha de edição, com o material filmado da série de documentário de minha autoria intitulada Retrato Íntimo – ainda inédita no circuito comercial –, reflito sobre o valor de determinadas “imagens verdadeiras” na constituição de (nossas) identidades LGBTQIAPN+, investigando o modo em que se deu a relação entre a minha mise-en-scène e as mise-en-scènes dos distintos personagens da série ao longo de todo o seu processo de criação.

Resumo expandido

    “Imagens verdadeiras” são aquelas com as quais nos deparamos na sala de montagem de um filme documentário, segundo o cineasta chileno Patricio Guzmán (2017). É tudo aquilo que resulta do longo processo de criação de uma obra audiovisual, desde a escrita até a filmagem. Segundo Guzmán, ali, na sala de montagem, o que nos resta é o inevitável encontro com o material filmado, com as crises, as perguntas e as dúvidas que ele provoca, com aquilo que a pesquisadora cubana Susana Barriga reconhece como o imperativo “ato de construir, de edificar um discurso, uma representação, um ponto de vista, um refúgio, uma relação” (Barriga apud Avelleyra, 2018, p. 84).
    Eu gosto de pensar que o processo de montagem da série de documentário Retrato Íntimo começou no momento em que escrevemos o primeiro esboço do projeto para inscrevê-lo em um edital público. Talvez muito antes até, quando ainda na infância eu fui interpelado por mainha a andar como homem. Acho que eu tinha uns sete anos ou mais. Lembro-me de um dia quando nós voltávamos para casa, e ela mais meus dois irmãos insistiam em dizer que eu andava rebolando. “Você deve andar como homem!”, eles diziam. Eles passavam à minha frente e mostravam: “Assim, ó!”. Devo ter repetido umas dez mil vezes esse jeito de andar que eles me mostravam, mas eu não conseguia entender como que o meu jeito de andar poderia “ser de mulher”, e a minha voz “ser de mulher”, e os meus gestos “serem de mulher”.
    Composta por cinco episódios, cada um com 26 minutos de duração, a série Retrato Íntimo narra um dia na vida de cinco pessoas trans. Ao longo do processo de filmagem, lutei muitas vezes contra “as imagens” que eu ia encontrando pelo caminho por acreditar que elas denunciavam a minha incapacidade de inventar novas narrativas. Frustrei-me quando fomos expulsos violentamente da casa de um dos personagens pelo irmão dele que insistia em desrespeitar sua identidade de gênero; ou quando fomos proibidos de filmar seus colegas de trabalho por ordem de seu chefe; ou, ainda, quando ao inventar uma cena na qual uma das personagens se encontrava com sua melhor amiga, uma mulher cis, percebemos que esta a oprimia com discursos depreciativos. O que podemos contra essas “imagens verdadeiras”?
    Se olharmos para o fato de que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo (Benevides, 2024); se é aqui onde a expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos (Benevides, 2024); e se 90% das cidadãs trans do nosso país são obrigadas a sobreviverem do mercado informal da prostituição (Santos; Oliveira-Silva, 2021); o que poderia contra essas “imagens verdadeiras” a imagem de uma pessoa trans gozando de uma vida digna, gozando vida?
    Para Georges Didi-Huberman, “não se pode falar do contato entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de incêndio” (2012, p. 210). Segundo o autor, as imagens têm o poder de moldar a nossa percepção do real porque ela “é outra coisa que um simples corte praticado no mundo dos aspectos visíveis” (Didi-Huberman, 2012, p. 216). Para mim, a tarefa que se impunha diante das “imagens verdadeiras” das personagens da série Retrato Íntimo era a de saber “discernir o lugar onde [a imagem] arde, o lugar onde sua eventual beleza reserva um espaço a um “sinal secreto”, uma crise não apaziguada, um sintoma. O lugar onde a cinza não esfriou” (Didi-Huberman, 2012, p. 215).
    Neste estudo, recorremos à autoetnografia como método para analisar o processo de criação da primeira temporada da série de documentário de minha autoria intitulada Retrato Íntimo – ainda inédita no circuito comercial –, interessado em investigar como se deu a relação entre entre a minha mise-en-scène e as mise-en-scènes dos distintos personagens da série ao longo de todo o seu processo de criação.

Bibliografia

    BARRIGA, Susana. “Más allá de las concreciones, me interesa el gesto poético, dónde cuaja la obra”. Entrevista concedida a Anabella Castro Avelleyra. Cine Documental, Número 17 – Año 2018;
    BENEVIDES, Bruna G. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023. ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – Brasília, DF: Distrito Drag; ANTRA, 2024;
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Tradução Patrícia Carmello e Vera Casa Nova. Pós: Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 2014 – 2019, nov. 2012;
    GUZMÁN, Patricio. Filmar o que não se vê: um modo de fazer documentários / Patricio Guzmán; tradução de José Feres Sabino. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017;
    RETRATO ÍNTIMO (série). Leandro Santos, 2024. Digital. 130min. son. color. Brasil;
    SANTOS, Karolyn Marilyn de Oliveira; OLIVEIRA_SILVA, Lígia Carolina. Marcadas pelo mercado: inserção profissional e carreira de mulheres transexuais e travestis. In: cadernos pagu (62), 2021.