Ficha do Proponente
Proponente
- Daiany Ferreira Dantas (UERN)
Minicurrículo
- Daiany Ferreira Dantas é professora do Departamento de Comunicação da UERN e do PPCL/ UERN. Autora do livro A presença das diretoras: corpo e performance no cinema autoral de mulheres (Estronho, 2022). Coordenadora do Núcleo GenI – ações em gênero e interseccionalidade e do projeto de extensão Labcast histórias de desamor (UERN). Poeta e autora de Banquete (Queima Bucha, 2022) e parte da antologia Cidadelas (Sebo Vermelho, 2013).
Ficha do Trabalho
Título
- Corpo desmedido: figurações do corpo e desejo em Temporada (2018)
Seminário
- Tenda Cuir
Formato
- Presencial
Resumo
- O trabalho traz uma pequena cartografia do corpo gordo e desejante no cinema brasileiro recente, abordando a presença da protagonista gorda, suas trajetórias que tanto se acomodam à normatividade secundária da gorda risível e monstruosa, quanto deflagram trajetórias disruptivas, racializadas e com incursões na desnaturalização do desejo como conexo à magreza, como é o caso de Temporada (2018), no qual observamos uma corporeidade inscrita na perspectiva desviante do fracasso como anti norma.
Resumo expandido
- A genealogia do corpo gendrado move debates em muitas frentes. A fixidez polarizada e normativa do binarismo, a colonização do olhar e do desejo, a fetichização e o voyeurismo são alguns destes. Neste cenário, os corpos gordos surgem como a
fronteira que deflagra que o ideal encontra o seu oposto. Sua debilidade, seu fracasso.
Para compreender como e quando as diferenças emergem nesse panorama severamente normativo, utilizamos a perspectiva cartográfica como abordagem, buscando mapear e compreender as múltiplas dimensões e nuances dessa representação.
Na compreensão do escopo histórico da presença da mulher gorda no cinema nacional, percebemos que são personagens que raramente partem do protagonismo e fixam-se na borda, por vezes oscilando entre a hipersexualização e a abjeção . Há uma cristalização histórica de um lugar secundarizado das mulheres na condição de musas, tanto em trajetórias de indústrias incipientes, como Vera Cruz, que emulavam o star system, quanto em iniciativas vanguardistas como o Cinema Novo (Nagib, 2006), observamos que o corpo da mulher gorda no cinema nacional transita por performances do risível, em personagem voluptuosas como as vividas por uma jovem Dercy Gonçalves, que vivia mulheres marginalizados e periféricas (Assunção, 2020) e nas matronas não desejadas que antagonizavam comédias dirigidas por Mazzaropi.
As propostas de visibilidade do corpo gordo que surgem a partir dos anos 2010 exibem condições mais plurais, reivindicadas pela ordem da representatividade no consumo, mas ainda normatizadas.
Numa das cenas mais destacadas de Bacurau (2019), vemos um casal desnudo flagrado na intimidade de sua cabana por um par de estrangeiros que busca aniquilá-los. como parte de um jogo milionário de abatimento de corpos colonizados. O lugar de desprezo dado ao corpo gordo sexualizado, emerge no comentário de um dos personagens estrangeiros, sobre serem ainda mais repulsivos pois gordos e feios.
Em Minha mãe é uma peça ( 2013), a dita mãe protagonista tem uma filha gorda, foco de grande parte do humor gordofóbico presente no filme. Em Gostosas, lindas e sexy (2017), as personagens, embora diferentes entre si, se colocam como mulheres gordas, porém que nutrem essa característica de um empoderamento afirmativo, numa lógica de aprendizado pelo consumo.
Temporada (2018), que vamos analisar mais detidamente, com direção de André Novais de Oliveira, nos apresenta Joana (Grace Passô), uma mulher que está se mudando do Interior de Itaúna, em Minas Gerais, para a periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, para assumir um cargo para o qual foi aprovada via seleção. Joana conhece novas pessoas, se insere em novas realidades e vive conflitos na relação com seu marido, que prometeu que se mudaria logo depois que ela se instalasse na nova cidade, mas não responde ao telefone.
Em Temporada, o corpo de Joana não é cerceado pelo território, não busca estratégias de expansão pelo consumo e não se destaca pela autodepreciação do riso.
Trata-se de um corpo negro, desejante, mas que se encontra em condição de adaptação, superando ausências, apartes e lutos, e um lugar de um cotidiano repetitivo e ainda remotamente familiar. Seu corpo se expande na contradição dos ritmos de ascensão destinados às protagonistas típicas. E vive uma sexualidade que emerge fora das nuances de grotesco e ridicularização. Sua trajetória amplia o que seriam supostos fracassos na vivência de um ciclo que se despede de convenções e normas.
Compreendemos que há, no cinema nacional, noções de corpo gordo que oscilam entre o sucesso, os que se encaixam nas narrativas de evolução e emancipação que o capitalismo por vezes fornece. E há um fracasso previsto numa acomodação narrativa ao que pode aquele corpo. Entretanto, como propõe Halberstam: “A arte queer do fracasso […] silenciosamente perde, e ao perder imagina outros objetivos para a vida, para o amor, para a arte e para o ser”. ( Halberstam, 2020, p.118).
Bibliografia
- ASSUNÇÃO, Daniel Augusto de Matos. Elas são todas iguais: a figuração da empregada doméstica no cinema brasileiro. (Dissertação) Belo Horizonte: UFMG, 2020.
BENTO, Berenice. O belo, o feio e o abjeto nos corpos femininos. Scielo, 2021.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/FL6YVY3NCjKjmGQJTk5Q78p/#. Acesso
em: 03 ago. 2023.
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Tradução:
Sérgio Lamarâo e Arnaldo Marques da Cunha. 1 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015.
HALBERSTAM, Jack. A arte queer do fracasso. Recife: Cepe, 2020.
NAGIB, Lucia. A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias. São Paulo, Cosac & Naify, 2006.