Ficha do Proponente
Proponente
- Pedro de Andrade Lima Faissol (Unespar)
Minicurrículo
- Doutor e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Bacharel em Comunicação Social (Cinema) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor Adjunto do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV/Unespar).
Ficha do Trabalho
Título
- O motivo da cortina no cinema brasileiro
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- A cortina está presente em muitos filmes. Contudo, nem sempre é filmada inocentemente. Trata-se, afinal, de um importante signo teatral. Dada a riqueza figurativa deste motivo visual, a cortina produz inesperados efeitos de sentido. Para caracterizá-los, faremos uma “constelação fílmica” (SOUTO, 2020) do motivo da cortina no cinema brasileiro. Ganhará centralidade a obra tardia de Júlio Bressane, em cujos filmes ela exerce um papel marcado pela artificialidade, autoconsciência e anacronismo.
Resumo expandido
- No âmbito doméstico, a cortina é um elemento decorativo comum. Está presente em muitos lares, emoldurando janelas, portas, chuveiros e até camas. No cinema, embora seja igualmente recorrente, nem sempre é filmada inocentemente. Quando uma cortina ganha destaque em cena, sabemos que estamos diante de algo especial. A cortina, afinal, é um importante signo teatral. Ela anuncia um outro mundo. Um mundo demarcado, enclausurado, regido por regras especiais.
A relação da cortina com o teatro é bastante evidenciada em alguns filmes. Em “Melodia Infiel” (1986), de Alain Resnais, por exemplo, ela é empregada como forma de explicitar os códigos teatrais, assumindo o artifício e definindo o regime de encenação. O pacto é estabelecido com o próprio espectador. Por outro lado, em filmes como “Não toque no machado” (2007), de Jacques Rivette, ou “Singularidades de uma rapariga loura” (2009), de Manoel de Oliveira, a cortina indica um jogo entre os personagens, uma dobra interna no interior da diegese. Nos dois casos, o teatro é evocado no sentido de criar uma camada de significação subjacente ao drama.
Mas a cortina também é usada com outros propósitos, por exemplo, como estratégia de ocultamento/revelação. O filme de suspense é um gênero que se valeu muito deste recurso. Afinal, para manter o espectador em suspenso, a um só tempo engajado e curioso, é conveniente o uso de anteparos para adiar ou revelar informações. O exemplo paradigmático é a cena do chuveiro em “Psicose” (1960), de Alfred Hitchcock. A cortina é usada para adiar a revelação da identidade do assassino.
Por fim, a cortina é usada também como figuração de uma fronteira, de um limiar. O efeito atingido varia de filme para filme, podendo assumir diversas relações de sentido: Vida/Morte, Sagrado/Profano, Legal/Ilegal, Realidade/Sonho, Real/Virtual etc. Em “Kairo” (2001), de Kiyoshi Kurosawa, o fantasma aparece atrás de uma cortina. Essa escolha não é gratuita. A cortina materializa o intervalo que separa os vivos dos mortos. Não nos parece acidental, igualmente, que em “As Sombras” (1982), de Jean-Claude Brisseau, a cortina ganhe destaque na cena que evoca a Anunciação Cristã. Como prega a tradição iconográfica deste episódio bíblico, trata-se de criar uma decalagem entre o sagrado e o profano.
Sendo assim, poderíamos mapear o uso da cortina no cinema a partir destas quatro categorias: 1. A cortina como explicitação dos códigos teatrais; 2. A cortina como sugestão de um jogo; 3. A cortina como estratégia de ocultamento/revelação; 4. A cortina como figuração de uma fronteira. Embora tais categorias sejam um bom ponto de partida, acreditamos que elas não deem conta da riqueza de possibilidades cênicas e figurativas deste motivo.
Ao longo desta comunicação, propomos uma “constelação fílmica” (SOUTO, 2020) do motivo da cortina no cinema brasileiro. O gesto comparativo nos ajudará a encontrar, na aproximação entre as cenas selecionadas, sutilezas que passariam despercebidas no exame individual de cada filme. Interessa-nos identificar e caracterizar os inesperados efeitos de sentido produzidos a partir dos respectivos procedimentos formais. Levaremos em conta os seguintes parâmetros de análise: o grau de transparência da cortina, o seu movimento, a montagem, o movimento de câmera, a trilha sonora, o contexto narrativo e a relação com outros filmes.
A constelação será composta pelos seguintes filmes: “O grande momento” (1958), de Roberto Santos, “Noite vazia” (1964), de Walter Hugo Khouri, “A mulher que inventou o amor” (1979), de Jean Garret, “O viajante” (1999), de Paulo César Saraceni, e mais três filmes de Júlio Bressane: “Filme de amor” (2003), “Educação sentimental” (2013) e “Beduíno” (2016). Ganhará centralidade na constelação proposta a contribuição de Bressane, em cujos filmes se percebe um interesse permanente, mas sempre renovado, pelo motivo da cortina. A cortina desempenha em seus filmes tardios um papel marcado pela artificialidade, autoconsciência e anacronismo.
Bibliografia
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