Ficha do Proponente
Proponente
- GABRIELA MARUNO (UFABC)
Minicurrículo
- Produtora Cultural da UFABC. Atualmente é Pró-reitora Adjunta de Extensão e Cultura da UFABC. Doutora em Meios e Processos Audiovisuais (História, teoria e crítica do cinema) pela USP, Mestra em Multimeios (História, estética e domínios de aplicação do cinema) pela UNICAMP e Bacharela em Imagem e Som pela UFSCar.
Ficha do Trabalho
Título
- Inventário do contemporâneo e auto-referência em Helena Ignez diretora
Formato
- Presencial
Resumo
- Dentre as estratégias de sobrevivência e permanência do cinema brasileiro, pode-se incluir duas práxis de Helena Ignez diretora: a integração de seus incômodos com o presente ao processo inventivo de seus filmes (o inventário do contemporâneo); e a auto-referência (ou a reiteração da própria história), em virtude tanto dos mecanismos de repetição audiovisual quanto da arqueologia que Helena faz da própria história.
Resumo expandido
- O cinema dirigido por Helena Ignez nasce contemporâneo, ainda que sob a franja anárquica e estética da Belair. Seus filmes são um conjunto de tônica experimental que abdica das narrativas fáceis, subverte o naturalismo, ficcionaliza o documental e explora o potencial de performance da e na obra.
Dentre as estratégias de sobrevivência e permanência do cinema brasileiro (desafio que este ST convoca), pode-se incluir duas práxis de Helena Ignez diretora, apresentados neste resumo: a integração de seus incômodos com o presente ao processo inventivo de seus filmes (método que chamaremos de inventário do contemporâneo); e a auto-referência (ou a reiteração da própria história), em virtude tanto dos mecanismos de repetição audiovisual quanto da arqueologia que Helena faz da própria história.
A auto-referência: em pelo menos 9 obras dirigidas por Helena Ignez é possível detectar menções a filmes nos quais atuou, o que se dá sob a forma de reaparição de personagens, de reincidência de diálogos, da reencenação de sequências e/ou por meio da reorganização imagética de parte de sua vida pessoal. Essa última (a reorganização de imagens) adere ao que se convencionou chamar de found footage, uma “estrutura (…) que reprocessa, por associação ou intervenção, imagens pré-existentes” e na qual a “cineasta agencia seu repertório de informações culturais e sua competência de acesso aos arquivos” (ROSA e FILHO, 2016).
Tal continuum se valida como uma assinatura estilística constatável de Helena Ignez diretora: reiteração como método criativo e provocação de outra perspectiva sobre a história do cinema brasileiro. A ele, pode-se consignar a concepção benjaminiana de reescrever a história a contrapelo, assim como as políticas de subjetivação e restauração de identidades que a pós-modernidade trouxe ao campo da arte. O conceito de arquivologia, aplicado à práxis cinematográfica, vem sendo usado para nominar obras que imputam exclusividade interpretativa, afetiva e nada ocasional às imagens de arquivo, como ocorre na cinematografia de Helena diretora.
Inventariar o contemporâneo: o que estamos chamando de inventário do contemporâneo é a presença intensiva, decisiva e explícita do instante-agora, conferindo aos filmes de Helena diretora uma formação em mosaico, como uma colagem de acontecimentos que atribuem ao presente histórico a marca da inadequação. Giorgio Agamben (2009), em referência a Nietzsche, classifica essa inadequação, assim como a exigência pela atualidade, como o efetivo significado de contemporaneidade: o sentir deslocado potencializa a capacidade de perceber o tempo em que se vive. É como se, em seus filmes, Helena fizesse sua própria lista de urgências e incômodos a serem solucionados no mundo presente.
Sugerir a leitura do trabalho de Helena Ignez pelos vieses da arquivologia e da repetição como ferramentas de alteração da história firma apoio na concepção da memória como tema privilegiado das imagens em movimento (portanto, da sociedade contemporânea), o que tornou possível a adoção da guinada subjetiva como parâmetro metodológico e interpretativo. No caso do cinema de Helena Ignez, também se tornou um raccord produtivo: em diálogo com Beatriz Sarlo, pode-se articular o método da diretora como uma tática “que se propõe a reconstituir a textura da vida e a verdade abrigadas na rememoração da experiência, a revalorização da primeira pessoa como ponto de vista, a reivindicação de uma dimensão subjetiva (SARLO, 2005)”.
Essas estratégias – a reiteração da própria história e o inventário do contemporâneo – evidenciam a potência dos filmes de Helena Ignez como mecanismo de questionamento dos discursos canônicos, seja no cinema ou nas demais esferas de socialização. Localizar essa dupla autoral da diretora nos incita a ler o filme como um espaço político: se a história cinematográfica é moldada em operadores de exclusão, a auto-referência e o inventário do contemporâneo podem atuar como contrapeso a esse mecanismo.
Bibliografia
- ADRIANO, Carlos. Found Footage: o encanto do encontro. Revista Laika, v.3, n.5, 2015.
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 3aed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
ROSA, C. A. J. de, & FILHO, C. M. (2018). Entre a poesia e a ciência da informação: reapropriações do cinema found footage nos domínios digitais. Liinc Em Revista, 14(2). https://doi.org/10.18617/liinc.v14i2.4185
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Cia das Letras, 2007.