Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Eduardo Kogut (UFPR)
Minicurrículo
- Luiz Eduardo Kogut é mestrando na linha de pesquisa “Arte, Memória e Narrativa”, no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sua pesquisa gira em torno do cinema do diretor Jia Zhangke, e sua relação com a história contemporânea chinesa, envolvendo questões da relação cinema e história, teoria da história e estética. Além disso, trabalha com cinema experimental e é aluno da graduação de Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).
Ficha do Trabalho
Título
- Entre a tradição e o moderno: Plataforma (2000), de Jia Zhangke.
Formato
- Presencial
Resumo
- Plataforma (2000), dirigido pelo chinês Jia Zhangke, apresenta a história de uma trupe de artistas durante os anos 80 no país, vivenciando o período de reformas econômicas e políticas iniciadas naquela década. Esse trabalho visa examinar como o filme pensa o período histórico a partir da mudança das apresentações da trupe: do tradicionalismo maoísta às danças pop. Essa mudança espelha, também, como a própria vida dos jovens evolui durante a década entre os pólos do tradicional e da modernidade.
Resumo expandido
- Plataforma (2000), dirigido por Jia Zhangke, acompanha uma trupe de artistas na cidade de Fenyang, no interior da China continental, durante a década de 80. O filme se passa durante o momento de transição do país ocorrido após a morte de Mao Tse Tung, em 1976, marcando também o fim da Revolução Cultural e, lentamente, um processo de abertura. Essas mudanças são sentidas durante a narrativa fílmica a partir da mudança cultural a qual os jovens artistas participam e pela qual são afetados.
No começo do filme, o grupo se dedica a apresentações teatrais ligadas ao Partido Comunista, de caráter propagandístico, com um tradicionalismo caro às visões estéticas maoístas. Logo na primeira cena, somos apresentados ao caráter artesanal dessas apresentações, com os artistas emulando um trem com poucos elementos cênicos, fazendo uso de instrumentos tradicionais, com uma temátima que envolvia uma viagem pela China de um grupo de crianças, com o ápice da narrativa envolvendo a chegada em Pequim sob o retrato de Mao. A apresentação, inspirada em um filme de 1975, carregava boa parte das visões estéticas maoístas, como a aproximação com o espectador, o caráter didático das tramas, uma mensagem de romantismo revolucionário e uma clareza na transmissão dessa mensagem.
Porém, como afirma Wang (2014), a recriação da trupe, e a forma que Jia opta por apresentar o trabalho artístico do grupo, passa a impressão de um mero grupo de revolucionários insignificantes, se não derrotados” (p. 101): tanto pela pobreza cênica (o trem da narrativa, por exemplo, se tratava apenas dos artistas arrastando cadeiras pelo palco), quanto pela própria transposição da trama, centrada em um grupo de crianças, para um ambiente adulto. Porém, mais central ainda para essa visão de pessimismo revolucionário, é a forma que Jia enquadra a apresentação com um plano geral distante, englobando o palco, ao fundo, junto da plateia, com os rostos dos revolucionários (relembrando os que close up eram caros ao cinema melodramático maoísta) praticamente invisíveis.
Mesmo assim, essa noção de um tradicionalismo permeia boa parte da vida dos personagens, principalmente na metade inicial do filme: dos espaços decorados com retratos de Mao, Stalin e Marx, à organização da trupe ligada aos instrumentos tradicionais chineses e a uma estrutura coletiva. Além disso, há uma ideia de conflito geracional entre as figuras mais velhas do grupo com os quarteto de protagonistas jovens. Tal conflito é demarcado, também, nas figuras paternas que antagonizam tanto a vida artística dos filhos, quanto ao romance entre os protagonistas Cui Mingliang e Yin Ruijuan.
Conforme a trama do filme avança e o grupo é privatizado, tal tradicionalismo passa a existir como um contraste de uma vida moderna cada vez mais presente na vida dos protagonistas. Mello (2016) aponta como essa passagem do tempo, e passagem histórica – uma mudança de paradigma político e social -, é acentuada pelo uso que Jia faz de músicas pop. A própria presença destas já propõem uma certa transição histórica, já que no período da Revolução Cultural a produção musical era restrita às obras propagandísticas. A importação do pop estrangeiro simbolizou uma mudança institucional do papel da música e também uma mudança subjetiva: Mello salienta como, por exemplo, tais músicas pop abordavam um universo sentimental não explorado pelas artes oficiais.
As apresentações do grupo, que agora deixam o tradicional de lado para uma diversidade de formas modernas, porém, apresentam um panorama em que a apresentação renovada ainda é vista como vazia, não apenas de sentido, mas até mesmo de público – mesmo que a antiga subjetividade (artística, política) da primeira cena do filme também fosse vista como derrotada. O que Jia apresenta, por fim, neste confronto de paradigmas culturais é uma visão histórica ligada intimamente às vidas para além de tais conflitos – além dos meros rótulos, propondo um vazio entre esses espaços: o vazio da rotina do tempo histórico
Bibliografia
- FURTADO, Filipe. Jia Zhangke e a História Táctil: Sobre Plataforma e Prazeres Desconhecidos. Contracampo, n. 62, 2004. Disponível em:
FRANCESCHINI, Ivan, LOUBERE, Nicholas, SORACE, Christian (org.). Afterlives of Chinese communism: Political concepts from Mao to Xi. London: Verso Books, 2019
FRODON, Jean Michel. O mundo de Jia Zhangke. trad. Eloisa Araújo Ribeiro. 1. Ed. São Paulo: Cosac Naify, 2014
LEE, Kevin. Jia Zhang-ke. Senses of Cinema. Melbourne, Australia, Março de 2003. Disponível em:
MELLO, Cecilia. The Cinema of Jia Zhangke: Realism and Memory in Chinese Film. Londres: Bloomsbury Academic, 2022
WANG, Qi. Memory, Subjectivity and Independent Chinese Cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2014