Ficha do Proponente
Proponente
- Fernando Mascarello (Pesq. Independente)
Minicurrículo
- Fernando Mascarello é doutor em Cinema (USP, 2004) e mestre em Psicanálise (UFRGS, 2020). É organizador do livro História do Cinema Mundial (Papirus, 2012, 7a. edição). Na SOCINE, foi membro do Conselho Deliberativo de 1999 a 2009, além de criador e coordenador dos Seminários Temáticos “Indústria e Recepção Cinematográfica e Audiovisual” (2009 a 2011) e “Recepção Cinematográfica e Audiovisual” (2012 a 2014). Foi professor do curso de Realização Audiovisual da UNISINOS de 2003 a 2022.
Ficha do Trabalho
Título
- A nova ordem multipolar mundial e o desejo por Hollywood no Sul Global
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil.
Formato
- Presencial
Resumo
- Busco aproximar/explorar duas questões ora irrespondidas: (1) a nova ordem multipolar (declínio da hegemonia estadunidense e de seus aliados e ascensão econômica, militar e geopolítica da China, Rússia, Índia e demais BRICS) poderia introduzir fissuras no “desejo por Hollywood” em maiores segmentos das audiências do Sul Global?; e (2) seria útil/factível as Políticas Audiovisuais dos países periféricos agirem diretamente junto a suas Audiências Nacionais problematizando sua Recepção a Hollywood?
Resumo expandido
- Hoje, muitos analistas geopolíticos já estão convencidos sobre o advento de uma nova ordem mundial “multipolar” (p. ex, Todd, 2024). Esse novo cenário foi selado com os recentes fracassos dos EUA em impor seus poderes militar, econômico e diplomático nas guerras do Afeganistão, Ucrânia e Gaza, em paralelo com o ascendente poder e influência de China, Rússia, Índia e outros BRICS.
Nesse momento, uma das questões mais enigmáticas parece ser em torno ao grau de resiliência do poder dos EUA e do chamado “Ocidente coletivo” (que inclui a UE, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Israel e Canadá). Ao passo que é possível vislumbrar que os BRICS e o “Sul Global” (o qual inclui toda a Ásia menos Japão e Coreia do Sul) rapidamente assumirão decisiva vantagem em termos econômicos (e, provavelmente, militares), resta em aberto, porém, a “questão dólar”: até quando o sistema financeiro de Bretton Woods, baseado no dólar estadunidense, FMI e Banco Mundial, seguirá hegemônico? Por outro lado, além dessa resiliência “financeira” no terreno do “hard power”, outro ponto fundamental a considerar é que, no campo do “soft power” (Nye, 2004), a dominância internacional do sistema de mídia e entretenimento baseado nos EUA está longe de ser desafiada.
Frente a esse contexto, venho propor as seguintes questões: (1) seria possível que, com a consolidação da ordem multipolar, novos segmentos das audiências do Sul Global gradualmente advenham mais críticos e/ou menos desejosos dos produtos hollywoodianos (que abarcam hoje tanto filmes como séries) e suas representações audiovisuais via de regra afirmativas dos valores, do excepcionalismo e das visões de mundo estadunidenses? (2) E isso, por sua vez, poderia contribuir para o começo de um declínio relativo mais demarcado do “núcleo hollywoodiano” do soft power estadunidense? E por fim: (3) acaso as políticas audiovisuais dos países audiovisualmente periféricos não poderiam valer-se dessa oportunidade e perseguir políticas educacionais deliberadamente voltadas ao solapamento da relação entre suas audiências nacionais e Hollywood, via desconstrução do chamado “Americanist discourse” majoritariamente disseminado por Hollywood, tão conhecido por categorizar, de forma maniqueísta e hierárquica, os diferentes povos, nações e governos do planeta?
A presente pesquisa exploratória, disparada por essas três questões, se articula à proposta do ST de avançar frente à “visão que separa os espectros industriais e culturais da atividade, como tem sido a tradição brasileira, [e que] já não faz mais sentido”, enfrentando o “desafio [de] ampliar a visão para além da tríade produção-distribuição-exibição, incluindo como eixos essenciais a preservação e a formação” (Bahia; Schvarzman; Butcher, 2022). A ação que proponho viria somar-se a políticas culturais históricas industriais como as de incentivo e cotas de exibição, intervindo, de modo complementar, sobre as dimensões cultural e psíquica (vetores Público, Recepção e Consumo) – sendo a “recepção doméstica de Hollywood” (Stokes; Maltby, 2004) pensada como componente central das culturas audiovisuais nacionais (Mascarello, 2008). Penso, ainda, que a ideia de “formação” poderia alargar-se para abranger, além da clássica formação de público para os cinemas nacionais periféricos, também o combate à dominação cultural e psíquica hollywoodiana dos mercados de exibição nacionais, buscando operar no campo dos desejos, fantasias, identidades, identificações, ideologias e repertórios culturais das audiências.
Entre outros elementos, procuro considerar: a diversidade ideológica da produção hollywoodiana; o novo campo de estudos da “geopolítica popular” (Saunders; Strukov, 2018), o tensionamento das ideias de cinemas, públicos e culturas audiovisuais nacionais pelos vetores do “regional” (“mundo árabe”, Leste Asiático etc.) e da transnacionalização (Athique,2016); e a dimensão espectatorial do psiquismo dos públicos em sua relação com o colonizador (Shohat; Stam,2000).
Bibliografia
- ATHIQUE, Adrian. Transnational audiences: Media reception on a global scale. Cambridge: Polity Press, 2016.
BAHIA, Lia; SCHVARZMAN, Sheila; BUTCHER, Pedro. Resumo do ST Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil. Socine, 2022.
MASCARELLO, Fernando. Reinventando o conceito de cinema nacional. In: BAPTISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (orgs.). Cinema mundial contemporâneo. Campinas: Papirus, 2008, p. 25-54.
NYE, Joseph. Soft power. Nova Iorque: Public Affairs, 2004.
SAUNDERS, Robert A.; STRUKOV, Vlad (orgs.) Popular geopolitics: Plotting an evolving discipline. Londres: Routledge, 2018.
SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Film Theory and Spectatorship in the Age of the “Posts”. In: GLEDHILL, Christine; WILLIAMS, Linda Williams (orgs.). Reinventing film studies. Londres: Arnold, 2000.
STOKES, Melvyn; MALTBY, Richard (eds.). Hollywood abroad: Audiences and cultural exchange. London: BFI, 2004.
TODD, Emmanuel. La défaite de l’Occident. Paris: Gallimard, 2024.