Ficha do Proponente
Proponente
- CAIO SANTOS (UFMG)
Minicurrículo
- Professor no curso de jornalismo na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais com bolsa da CAPES. Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do grupo de pesquisa em Democracia e Justiça – Margem.
Ficha do Trabalho
Título
- A Amazônia como Faroeste: Grileiro e Indígena na produção documental
Seminário
- Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir da análise dos documentários recentes, este estudo faz um mapeamento exploratório do imaginário em torno dos conflito agrários e do desmatamento ilegal mobilizados pela ascenção de Jair Bolsonaro à presidência. Inspirado no método da montagem de Georges Didi-Huberman (2011), buscamos um saber diferencial sobre processos econômicos, ambientais e sociais. Os filmes revelam que a violência contra povos e a negação de saberes indígenas é o que viabiliza a devastação ambiental na Amazônia.
Resumo expandido
- “Aqui parece muito aqueles filme de faroeste. O povo chega na frente, vai abrindo e outras pessoas vêm vindo. Quando eu entrei o pessoal falava: “Esta terra é minha” explica Martins no documentário O Território (2022). Dirigido por Alex Pritz, o longa recebeu um Emmy devido seu olhar envolvente sobre as trincheiras na dita fronteira agrícola do Brasil. A narrativa gira em torno da disputa fundiárial na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. Se de um lado a comunidade indígena luta para defender seu território, do outro os grileiros o invadem e o reinvidicam para si. Nesse embate, o filme atravessa pelos dois fronts, dando espaço para que cada um desenvolva suas perspectivas. Seguindo uma estratégia similar ao filme Ato de Matar, Pritz usa as palavras, corpos e contradições dos próprios agressores para provocar reflexão e crítica (DEMARIA; VIOLI, 2019). O compromisso com a pluralidade não implica em equiparar os dois lados, mas complexificar a realidade. O Território mostra como o abandono do Estado a tanto os indígenas quanto aos camponeses é apropriado por forças econômicas que impulsionam o desmatamento ilegal na Amazônia.
Tomando o filme como ponto de partida e inspirado no método da montagem de Georges Didi-Huberman (2011), este estudo faz um mapeamento exploratório do imaginário em torno dos conflito agrários e do desmatamento ilegal mobilizados pela ascensão de Jair Bolsonaro à presidência. A partir de uma metodologia holística, comparativista e multimodal em que imagens são colocadas lado a lado em busca de semelhanças e contraposições diversas, buscamos um saber diferencial sobre processos econômicos, ambientais e sociais sem ignorar demandas éticas e políticas em defesa da alteridade. Para nossos fins, a análise se detém em três longa-metragens: além de O Território, abordamos o documentário negacionista Cortina de Fumaça (2021) produzido pelo Brasil Paralelo e o contrapomos ao jornalismo militante de Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia (2023), de Daniel Camargo e Ana Aranha.
Diante da câmera, Martins e outros grilheiros levam uma exuberante área verde vasta em flora e fauna às cinzas para, no dia seguinte, anunciar sobre as cinzas que a terra que devastou sempre foi sua. “O Brasil foi construído assim: primeiro com uma motosserra, depois com um trator”. Se enaltação da colonização e ao progresso é um princípio vago dos incendiários em campo, Cortina de Fumaça a elabora enquanto ideologia. Peça central de uma infodemia socioambiental e divulgado prometendo “provar” a falsidade do desmatamento na Amazônia, o filme organiza as crenças, ideias e discursos da agenda antiambientalista no Brasil, visando justificar o avanço do extrativismo criminoso retratados em O Território (SALLES et al., 2023; SANTOS; MICHELOTTI; MENDONÇA, 2024)
Em ambos os filmes, o ecocídio passa por um altericídio. Os massacres contra indígenas não ocorrem apenas para subjugar os povos e usurpar suas terras, mas também por uma rejeição de saberes, experiências e modos de se relacionar que se contrapunham a um olhar para a natureza que a reduz a um recurso a ser explorado (FERDINAND, 2022). Em última instância, isso produz uma sociabilidade necropolítica em que o extermínio é a única interação possível com o outro.
Neste cenário, o próprio gesto de “ouvir o outro lado”, princípio basilar tanto da democracia quanto do jornalismo, se torna inviável. Relatos … (2023) é a perspectiva íntima de Daniel Camargos enquanto tenta investigar o desfecho de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados durante uma viagem pelo Vale do Javari. Para Camargos e Aranha, a violência se torna tão extrema que a supor uma civilidade mínima para apuração dos fatos é um risco potencialmente mortal. A chamada pós-verdade, neste sentido, não é produzida pelo abuso das novas tecnologias digitais, mas sim pela reprodução de racionalidades, valores e crenças coloniais sem ignorar demandas éticas em defesa da alteridade.
Bibliografia
- CORTINA DE FUMAÇA. 2021.
DEMARIA, Cristina; VIOLI, Patrizia. The act of documenting: joshua oppenheimer’s the act of killing. Media, War & Conflict, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 88-104, 27 ago. 2019. http://dx.doi.org/10.1177/1750635219871910.
DIDI-HUBERMAN, G. Atlas Ou Le Gai Savoir Inquit. L’Oeil De L’Histoire 3. Paris: Éditions de Minuit, 2011
FERDINAND, M. Uma ecologia decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2022.
O TERRITÓRIO. 2022
RELATOS de um Correspondente de Guerra na Amazônia. Dir. Daniel Camargo, Ana Aranha. 2023.
SALLES, Débora et al. The Far-Right Smokescreen: environmental conspiracy and culture wars on brazilian youtube. Social Media + Society, [S.L.], v. 9, n. 3, p. 1-22, jul. 2023. s. http://dx.doi.org/10.1177/20563051231196876.
SANTOS, C. D.; MICHELOTTI, A.; MENDONÇA, R. “Cortina de Fumaça” – Negacionismo ambiental e imaginário colonial no YouTube. Revista Mídia e Cotidiano, [S.L.], v. 18, n. 1, p. 74-95, 8 jan. 2024. http://dx.doi.org/10.22409/rmc.v18i1.59776.