Ficha do Proponente
Proponente
- Arthur Ribeiro Frazão (UFRJ)
Minicurrículo
- Montador e realizador audiovisual, possui graduação em Comunicação Social – Rádio e TV (2007) e mestrado em Comunicação e Cultura (2018) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisa cinema experimental na América Latina.
Ficha do Trabalho
Título
- Desvio de imagens e os desaparecidos políticos na Argentina
Mesa
- Cinema e ditaduras militares: formas de lembrar, elaborar e resistir
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação se volta para os procedimentos de desvio de imagens dos filmes NN (2017, Pablo Mazzolo) e ¿Donde está Marie Anne? (2022, Yaela Gottlieb). Com estratégias de realização distintas, os realizadores desarquivam, respectivamente, cinejornais e filmes publicitários preservados no acervo do Museo del Cine Pablo Ducós Hicken para abordarem o tema dos desaparecidos políticos vitimados pela última ditadura argentina.
Resumo expandido
- NN (2017) é um filme realizado pelo cineasta argentino Pablo Mazzolo a partir de uma encomenda. Localizado em Buenos Aires, O Museo del Cine Pablo Ducós Hicken, preserva em seu arquivo o acervo completo do cinejornal Sucesos Argentinos (1938-1972), um dos mais importantes cinejornais produzidos na América Latina. Em 2017, com o objetivo de chamar a atenção para a preservação e divulgação dos arquivos fílmicos, o museu convidou 25 realizadores para intervirem livremente nas imagens do cinejornal que estavam digitalizadas. Os dois planos escolhidos por Mazzolo estão repetidos em outras montagens da série de filmes Sucesos Intervenidos financiados pelo museu. Trata-se de imagens produzidas em um período anterior a 1976, portanto, anteriores ao golpe militar que instituiu a última ditadura argentina (1976-1983).
O título NN significa sem nome, do inglês no name. O curta é composto por um longo plano de um trem no interior de um túnel, distendido pela repetição em looping, seguido pela imagem de uma mulher vista no interior da janela de outro trem em movimento. Neste plano, montado fotograma a fotograma, a imagem borrada da mulher some, reaparece, fulgura em um jogo de repetições que culmina no desaparecimento desta figura sem rosto, nem identificação.
A sinopse de NN diz: “O filme reflete sobre o fantasma dos desaparecimentos de civis durante a última ditadura militar na Argentina” (DOBRA, 2023). Se, por um lado, as imagens utilizadas por Mazzolo não se referem diretamente a eventos relacionados à ditadura militar argentina, por outro, o texto da sinopse é responsável por sugerir tal paralelo, entre a agonia infindável daqueles que ainda buscam seus entes queridos e a imagem borrada da mulher no interior do trem. Isoladas estas imagens não fazem referência, muito menos ilustram os métodos sanguinários aplicados pela ditadura argentina na repressão aos seus opositores. É o autor que – ao justapor o texto às imagens – propõe por meio da montagem novas leituras. Desta forma, o gesto de desvio de imagens operado por Mazzolo no filme dá contornos históricos a imagens aparentemente ordinárias.
¿Donde está Marie Anne? (2022), realizado pela cineasta peruana radicada em Buenos Aires, Yaela Gottlieb, foi criado pelo procedimento de apropriação de imagens de filmes do Arquivo Cine Publicitário, mantido pelo mesmo museu. Na banda sonora, Gottlieb mistura o som das ondas com um zumbido que cria uma tensão. A montagem retorna repetidamente para imagens de três mulheres andando e fumando na praia, intercaladas com fragmentos de publicidades que apresentam situações festivas e idílicas. Aos poucos, os gestos de uma destas mulheres que anda pela praia ganham destaque em câmera lenta. O filme termina com registros documentais da catalogação de uma destas publicidades com destaque para a data, 9 de janeiro de 1974. Três cartelas de texto informam: “Cerca de 30.000 pessoas foram detidas-desaparecidas na Argentina durante a ditadura militar de 1976-1983. Marie Anne Enze, atriz e militante na Villa 31, é uma delas. Este é o único registro em movimento que existe dela”.
Ao final do curta, o material bruto de uma publicidade de cigarros filmada em uma praia argentina em 1974 adquire o caráter de documento, o único registro audiovisual de uma atriz, desaparecida política, em cena. As imagens da publicidade, por sua vez, não explicitam a violência do regime argentino contra seus cidadãos. O gesto de montagem de Gottlieb produz um rebatimento entre o turbilhão de imagens publicitárias e a dramaticidade da repetição de imagens da atriz em câmera lenta. A repetição, tal qual a formulação de Agamben (2007), é uma das condições de possibilidade da montagem. Assim, a pergunta inicial que dá título ao filme – Onde está Marie Anne? – se transforma ao ser repetida no final. No início a indagação evoca a busca por identificar a mulher que dá nome ao filme, ao final, a pergunta passa a ser uma palavra de ordem, ou melhor, uma forma de resistência ao esquecimento.
Bibliografia
- AGAMBEN, G. “O cinema de Guy Debord”, 2007. Disponível em:
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Acesso em: 10/01/2024.
DOBRA Festival Internacional de Cinema Experimental. Programa Retrospectiva Pablo Mazzolo. Disponível em:. Acesso: 22 mar. 2024.
SELIGMANN-SILVA, M. Sobre o anarquivamento – um encadeamento a partir de Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Revista Poiésis, n. 24, p. 35-58, Dezembro de 2014.
WERNECKE, F. J.. El noticiero sucesos Argentinos y el rol de la propaganda política durante el peronismo clásico. In: IV CONGRESO DE ESTUDIOS SOBRE EL PERONISMO, Red de Estudios sobre el Peronismo, 2014. Disponível em: / Acesso: 29 mar. 2024.