Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Mônica Mourão Pereira (UFRN)

Minicurrículo

    Mônica Mourão é doutora em Comunicação Social (2016) pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde coordena o Grupo de Investigações em Linguagem, Memória e Representação (GILMaR).

Ficha do Trabalho

Título

    Memória sem lugar e dever de lembrar: a ditadura no curta “Torre”

Mesa

    Cinema e ditaduras militares: formas de lembrar, elaborar e resistir

Formato

    Presencial

Resumo

    A recriação, pelo curta documental de animação “Torre” (2017), do presídio Tiradentes, que confinou presos políticos durante a ditadura de 1964, suscita reflexões sobre lugar de memória e dever de lembrar como resistência ao esquecimento comandado, à anistia e à amnésia (RICOEUR, 2007). A necessidade de construir o que se deseja soterrado, a partir do olhar de 2024, reforça a resistência à obrigação de esquecer.

Resumo expandido

    O curta-metragem “Torre” (2017) é composto de imagens de animação e relatos dos filhos de Virgílio Gomes da Silva – operário, sindicalista e guerrilheiro integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), assassinado pela ditadura em 1969. No curta, Virgílio é representado como uma ausência-presente; é o elo dos acontecimentos relembrados por seus filhos, que também foram presos, assim como a mãe deles, Ilda Martins da Silva.
    Os áudios dos relatos são resultado de entrevistas feitas com os quatro irmãos. A ordem vai da criança mais nova (Isabel, detida aos quatro meses) até a mais velha (Vlademir, com nove anos). Eles compartilham suas memórias do exílio em Cuba, da prisão no Juizado de Menores, e dos acenos dados à mãe, Ilma, da rua para a torre do presídio Tiradentes, onde ela ficou detida por nove meses (FILHO, 2014).
    O presídio Tiradentes foi desativado em 1973. O nome do curta remete a ele, mais especificamente ao que ficou conhecido como Torre das Donzelas, mesmo nome dado a um documentário sobre o tema. Em 1985, o Portal de Pedra, que marcava a entrada do presídio, foi tombado. Da torre, restam apenas as memórias. Sua “reconstituição” é feita através dos desenhos que compõem a animação “Torre”. Mas ela não se pretende realista, assim como outras imagens do curta, que buscam representar a fluidez, as lacunas e as neblinas da memória.
    “Torre” foi realizado num contexto de fortalecimento da perspectiva de memória, verdade e justiça em relação à ditadura. A Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), instituída pela então presidenta Dilma Rousseff (que esteve presa na Torre das Donzelas), havia terminado seu trabalho. O lançamento do filme, em 2017, aconteceu num momento de ascensão das demandas da extrema-direita brasileira na esfera pública, um ano após o golpe contra Dilma Rousseff. Michel Temer era o presidente, e o terreno estava preparado para a chegada de Jair Bolsonaro ao cargo, em 2018, reverberando com ele os clamores por volta à ditadura, assim como foi feito durante os protestos pela derrubada de Dilma. Sob Bolsonaro, tornou-se evidente que a memória do combate à ditadura e das violências impostas por ela não era um consenso no país.
    No Brasil, as demandas por memória, verdade e justiça têm ainda hoje “uma vida subterrânea malsã”, como afirmou Paul Ricoeur sobre as memórias que concorrem com a unidade imaginária proposta por anistias (RICOEUR, 2007, p. 462). Em fevereiro de 2024, a pouco mais de um mês dos 60 anos do golpe de 1964, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou o esquecimento obrigatório, ao afirmar que ele não pode “não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre” (MACHADO, 2024). Lula recomendou que comemorações fossem suspensas – sejam as manifestações por memória, verdade e justiça, sejam as celebrações feitas por setores militares.
    O desejo de apaziguamento depara-se com as demandas por trabalho de memória, exatamente porque o passado não foi tão “remoído”. O audiovisual exerce, muitas vezes, o papel de militante da memória (JELÍN, 2002), ao elaborar representações da ditadura com caráter documental. Em “Torre”, as memórias das crianças expõem o absurdo da perseguição e da violência cometida pela ditadura. Mas também, através dos desenhos, o filme recria a torre das donzelas, um lugar que já não existe. Segundo Pierre Nora, “se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares” (NORA, 1993, p. 8).
    Por que recriar, no audiovisual, um presídio, símbolo da repressão? Uma vez demolido, por que reconstruí-lo em lembranças, relatos e traços? A ausência de lugares de memória sobre a ditadura explica a necessidade de construir o que se deseja soterrado, para então haver a possibilidade de dar a estes espaços outros significados. Não um símbolo da tortura, mas da resistência. Uma torre de onde se acenava para o futuro no exílio e a posterior redemocratização. O dever de lembrar também como resistência ao esquecimento comandado.

Bibliografia

    FILHO, Virgílio Gomes da Silva. “Adotados pela revolução cubana”. In: INF NCIA Roubada, Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil. Assembleia Legislativa, Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. São Paulo: ALESP, 2014, pp. 75-80.
    JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la Memoria. Madrid: Siglo XXI de España Editores S.A., 2002.
    MACHADO, Renato. “Lula diz que golpe de 64 é história e não quer remoer passado”. Folha de S. Paulo, 27 fev. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/02/lula-diz-que-golpe-de-64-e-historia-e-que-nao-quer-remoer-o-passado.shtml Acesso em: 31 mar. 2024.
    NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Projeto História. São Paulo, dez. 1993, pp. 7-28.
    RICOEUR, Paulo. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
    TORRE. 2017. Brasil. Direção de Nádia Mangolini. Duração: 18min.
    TORRE das donzelas. 2018. Brasil. Direção de Susanna Lira. Duração: 97min.