Ficha do Proponente
Proponente
- Beatriz Alcici Pelegrini (UTP)
Minicurrículo
- Doutoranda do PPGCom-UTP com Taxa Prosup CAPES, Mestre em Comunicação e Linguagens do PPGCom-UTP, Bacharel em psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná e Bacharel em Design de Moda pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Especialista em História da psicanálise, professora na graduação da Universidade Estácio de Sá/PR. Membro do grupo de pesquisa KINOSFERA: Investigações sobre o Pensamento no Cinema e em outras formas de Audiovisualidades PPGCom-UTP.
Ficha do Trabalho
Título
- Estrangeiridade, desalento e absurdo em O Estrangeiro, de L. Visconti
Formato
- Presencial
Resumo
- Em O Estrangeiro, romance de Albert Camus, a estrangeiridade é sintoma da condição humana. Também encontramos a sintomática ligada à estrangeiridade em O Estrangeiro, filme de Luchino Visconti baseado em Camus. O desalento do personagem Meursault seria a condição do sujeito no pós-guerra que, forçado ao apagamento de si, viveria aprisionado na condição do absurdo? Conteria o filme de Visconti resquícios de suas intenções não plenamente realizadas na demonstração da condição de estrangeiridade?
Resumo expandido
- Com um pouco mais de oitenta anos desde sua publicação em 1942, O Estrangeiro (L’Étranger), romance de Albert Camus, apresenta ainda um contexto bastante atual. A estrangeiridade como um sintoma específico da condição humana anima o livro de Camus. Da mesma forma, a sintomática ligada à figura do estrangeiro, para além do próprio Meursault, protagonista do romance, se faz igualmente presente em O Estrangeiro (Lo Straniero), filme de Luchino Visconti baseado no livro homônimo de Camus.
Meursault narra a história em primeira pessoa, mas com o foco no exterior, no presente, em tom descritivo e sem revelar possíveis conflitos interiores, nem pensamentos ou ideias. Meursault se mantém fora do senso comum, como um estrangeiro na perspectiva do “jogo social” que repetidamente recusa. Ele é um estranho, propositalmente composto desta forma para que não haja identificação imediata com o leitor. Um anti-herói.
As variações ambientais influenciam diretamente o estado do personagem, reforçando as descrições, ao ponto da interioridade de Meursault permanecer obscura para o leitor/espectador. Meursault é julgado por não demonstrar sentimentos, emoções e reações esperadas e aceitas pela perspectiva social e do senso comum. Sua posição frente à própria vida e aos acontecimentos cotidianos e contingentes causa tanto estranhamento que ele acaba condenado.
O cinema neorrealista e de não-ação de Luchino Visconti contempla um indivíduo que vivencia o absurdo. Meursault, seu desalento psíquico – sujeito ao autoritarismo do senso comum em uma sociedade que condena quem, à margem, se recusa a jogar o jogo social – alcança um sentido de liberdade por intermédio de sua condenação à morte. Os planos do filme são cheios de luz, no caso, da luz do sol tão presente na narrativa e nas imagens, que é ponto central na labilidade pelo contraste entre luz e sombra e revelam o desabrochar da consciência do protagonista que permanece, também propositalmente, ancorado e indiferente ao tempo presente.
A partir das imagens do filme de Visconti, podemos compreender os efeitos de sentido que a narrativa nos convoca. Para a adaptação ao cinema do romance de Camus, Visconti teve muitas de suas ideias malogradas. Sua proposta inicial era a de elaborar uma crítica à tensão política quando os franceses dominavam a Argélia. Seu desejo era o de ter trabalhado com outro ator para o papel de Meursault, Alain Delon, mas por exigência do produtor do filme, Dino De Laurentiis, o papel foi entregue a Marcelo Mastroianni. E ainda, suas ideias para o filme foram vetadas pela viúva de Camus, Francine Camus, que exigiu uma adaptação fiel ao livro. Diante de tantas limitações, o filme acabou por desagradar ao próprio cineasta, tendo sido considerado um fracasso pela crítica na época do lançamento no ano de 1967.
No entanto, imageticamente, o filme tem uma série de peculiaridades em sua realização que, em muitos aspectos, acaba por somar-se ao imaginário do romance de Camus. A impotência da ação no personagem de Meursault e o impedimento da percepção de se prolongar em ação, impondo-lhe uma existência fechada em seu universo interior, caracteriza-o como uma espécie de espectador da própria vida. Simultaneamente, sua presença/ausência aponta para a ambiguidade da condição de estrangeiro que, mesmo presente, está alienado e apartado da esfera social, sujeito à própria condição de desalento psíquico e sob o sentimento de absurdo. É todo um universo fílmico que remete à emergência das imagens óticas e sonoras puras no neorrealimo italiano, como demonstra Gilles Deleuze (2018).
O desalento psíquico de Meursault seria a condição do sujeito no pós-guerra que, forçado ao apagamento de si, viveria aprisionado na condição do absurdo? Conteria o filme de Visconti resquícios de suas intenções não plenamente realizadas na demonstração da condição humana de estrangeiridade?
Bibliografia
- BAZIN, André. O Cinema – Ensaios. São Paulo: Brasiliense ,1991.
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2020.
DELEUZE, Gilles. Cinema 2 – A Imagem-tempo. São Paulo: Editora 34, 2018.
HAN, Byung-Chul. Morte e Alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.
_______________. A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2022.
HAROCHE, C. A condição sensível. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.
KRISTEVA, J. As novas doenças da alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
LANDOWSKI, E. Presenças do outro. São Paulo: Perspectiva, 2002.
LO Straniero. Direção: Luchino Visconti. Itália; França. 1967 (1 45m).
NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. São Paulo, SP :Editora Escala.
SIMMEL, Georg. A tragédia da Cultura. São Paulo, Sp: Editora Iluminuras, 2020.
XAVIER, Ismail. O discurso Cinematográfico: A opacidade e a transparência. Rio de Janeiro/São Paulo, Paz e Terra, 2019.