Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    camila machado garcia de lima (Uff)

Minicurrículo

    Pesquisadora e bacharel em Cinema, com mestrado em Imagem, Som e Escrita, ambos pela UnB, e especialista em som pela EICTV/Cuba. Atualmente cursa o doutorado no Programa de Pós-Graduação Estudos Contemporâneos das Artes na linha Sonoridades, Experiência e Conceito na UFF. Camila Machado é cineasta com atuação em desenho de som e produção. Sócia da produtora independente Trotoar.Idealizou o Sonário do Sertão, projeto de acervo sonoro, premiado pelo IPHAN.

Ficha do Trabalho

Título

    Da ocupação à demarcação artística na construção de diversidade sonora

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho apresenta o processo do projeto Sonário em territórios ocupados pelo MST. Os movimentos camponeses, ao ocupar um latifúndio, transformam sonoramente o campo brasileiro, a política e a sociedade. O projeto Sonário realizou gravações de campo, sensibilização para a escuta e propôs instalações sonoras, como forma de reverberar e ressoar as diversas sonoridades para além dos territórios. Noções dos estudos de som e de território farão parte da análise do sonoro enquanto política.

Resumo expandido

    O presente trabalho busca reverberar a experiência realizada durante um ano de pesquisa com sonoridades junto ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra do Distrito Federal. Um de seus intuitos é a formação de um acervo sonoro em dois territórios ocupados, um acampamento e um assentamento, com a aposta de que a luta política da ocupação transforma as terras em territórios e atua em diversos aspectos, entre eles os sociais, demográficos, econômicos, políticos, agrícolas e também sônicos, a esta última chamaremos de “ocupação sonora”. Além do acervo, pretende-se contribuir na construção de uma epistemologia do sonoro, dialogando com a acustemolgoia (FELD) e sonologia. No decorrer do projeto, instauramos processos de escuta coletivos, como rodas de conversas, caminhadas e imersão nos territórios. Também realizamos aproximação ao sonoro, a partir de gravações de campo realizadas pelos e pelas participantes, pesquisadoras e colaboradoras. Num “afundamento” coletivo, a “ocupação sonora” se assenta e revelam-se experimentações sonoras, que chamaremos de “demarcações artísticas”, de autoria coletiva e possibilidades territorializadas.

    Da ocupação sonora à demarcação artística

    “Poderia o som ser usado como uma arma por meio de tonalidades específicas e de vibrações coletivas, de um ativismo de escuta e da força do volume, para apoiar uma cultura do cuidado radical e da compaixão.”
    (LABELLE, 2022, p. 27)

    Seu Gilberto vinha com algumas lenhas para aquecer o fogo, não porque era frio mas por conta de alguns mosquitinhos que teimavam em picar nossas pernas. Ele queimou a madeira junto com umas folhas de alecrim e citronela. Logo o cheiro bom se espalhou pela varanda feita de madeira e piso de barro. Ele contou que antes nem os mosquitos vinham, nem som de inseto quando tinha a monocultura de eucalipto, nem som de “zanzada”. “Hoje acordo com passarinhos pela manhã e vou pra dentro com eles também. Jaó, Inhambu, Pavãozinho, Coruja-buraqueira, Caburé, Arara Azul, Canindé, Maracanã, Mutum, Juriti, Tucano, Araçari, Asa Branca, Tachã, Curicaca, Casaca de couro, João de barro, Cardeal do Cerrado, Azulão, Meia Lua, Pica pau, Chiriri, Chororó.” Tomou um ar e disse: “mais um tanto de outros, uns 80 tipos de passarinhos voltaram a cantar desde que ocupamos esta terra.” Segundo Taborda, em uma localidade saudável se escuta toda a variedade do espectro dinâmico e frequencial (TABORDA).

    Em ressonância e fazendo reverberar todos os nomes de pássaros citados e lembrados por seu Gilberto, o projeto Sonário pretende construir uma obra sonora que chamaremos de demarcação artística do território do MST. A instalação sonora coletiva “Árvore de Sons” é um exemplo e o primeiro fruto auditivo da “demarcação artística” e será composta de três elementos: oitenta pássaros feitos artesanalmente de fibra de bananeira por mulheres do Assentamento Pequeno William (Planaltina – DF). Dentro de cada pássaro serão colocadas caixas de som que ressoarão as vozes de homens, mulheres e crianças dos dois territórios falando o nome das oitenta espécies de pássaros que voltaram a cantar desde a ocupação sonora do MST.

    Essa obra de demarcação sonora faz parte da construção de um fazer artístico que tem a escuta como metodologia e a possibilidade de soar em outros espaços como estratégia política. Por enquanto ainda é uma proposta em andamento que expõe resultados da pesquisa além de apresentar a diversidade sonora proposta por esse povo campesino que se movimenta soando. Assim, ao refletir sobre o silenciamento e criminalizações que o movimento sofre, a agência sonora desponta justamente para remodelar éticas de escuta e de amplificação de vozes, sejam elas humanas ou não humanas.

Bibliografia

    FELD, Steven. Sound and Sentiment: birds, weeping, poetics and song in Kaluli expression.
    Durhan & London: Duke University Press, 2012.
    FERREIRA, Joelson; Felício, Erahsto. Por Terra e Território: caminhos da revolução dos povos no Brasil. Teia dos Povos: Arataca (BA), 2021.
    FERREIRA, Marina M. Reativação da Escuta: práticas sonoras experimentais como estratégias para o ensino do som em cursos de cinema e audiovisual. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2022.
    LABELLE, Brandon. Agência Sônica: o som e formas emergentes de resistência. Rio de Janeiro: Numa Editora, 2022.
    MAPURUNGA,
    OBICI, Giuliano Lamberti. Condição da Escuta: mídias e territórios sonoros. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
    TABORDA, Tato. Ressonâncias: vibrações por simpatia e frequências de insurgências. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2021.
    _______. Biocontraponto: um enfoque bioacústico para a gênese do contraponto e das técnicas de estruturação polifônica. Rio de Janeiro: Revista Debates, n.5