Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    David Ken Gomes Terao (Unicamp)

Minicurrículo

    David Ken Gomes Terao é doutorando em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas com período sanduíche pela École Normale Supérieure em Paris, realizando pesquisa sobre apropriações do melodrama no cinema contemporâneo brasileiro. É mestre na mesma instituição com pesquisa sobre o melodrama no cinema de Christian Petzold e graduado pela Universidade Federal do Ceará. Ministrou cursos sobre melodrama no cinema de R.W. Fassbinder e no cinema brasileiro pela Escola no Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Apropriações do melodrama no cinema brasileiro da década de 2010

Formato

    Presencial

Resumo

    No cinema brasileiro da década de 2010, o modo melodramático é revisitado a partir de duas dimensões: a denúncia de opressões e invisibilidades a partir das lutas por reconhecimento e a constituição de comunidades de sujeitos outrora marginalizados a partir da ideia de “família escolhida”. A presente comunicação analisará dois grupos de filmes correspondentes a essas dimensões através de teorias do melodrama e leituras sobre o contexto social e político do país no período.

Resumo expandido

    A década de 2010 representou um passagem da cordialidade ao confronto (BOSCO, 2017) na maneira como a sociedade passou a responder à injustiça social relacionada sobretudo a questões de gênero, raça e sexualidade, e o cinema brasileiro não escapou a essa politização, mobilizando uma série de estratégias estéticas e narrativas para responder à crise política que nos envolvia dia após dia. Embora o estudo do cinema do período ainda careça de um panorama histórico completo, alguns estudos sobre as formas adotadas pelos realizadores em resposta a esse contexto social nos ajudam a entender melhor a década. O presente trabalho deseja inscrever-se nesse viés de análise.

    O melodrama, historicamente formado como um gênero teatral na Revolução Francesa e que ganha maior popularidade no início do Século XIX, permanece no cinema como um Modo que ultrapassa as restrições da categoria de gênero cinematográfico e se apresenta “não como um modelo de realidade baseado em um conjunto de ideias, mas como uma estratégia para resolver problemas práticos da experiência” (ZARZOSA, 2010, p. 237). Lidando diretamente com o sofrimento humano, sendo através de uma dinâmica maniqueísta que teatraliza as ideias de “bem” e “mal”, seja pela discussão de ideias sociais que causam tal sofrimento, o melodrama se apresenta como um Modo de Excesso através da articulação de três instâncias reiterativas identificadas por Mariana Baltar (2012) – a obviedade; a simbolização exacerbada; e a antecipação – , por meio das quais alcança-se aquilo que Baltar denomina “pedagogia das sensações”, em que o espectador é ensinado através de seu engajamento sensório-sentimental como reagir a situações de injustiça (BALTAR, 2012).

    A presença desse Modo se deu de diversas maneiras ao longo da história do cinema brasileiro: como referência de espetáculo estruturante para os filmes do período silencioso, como forma narrativa rejeitada e depois apropriada pelo Cinema Novo ou como discurso por trás das cinebiografias, gênero de grande bilheteria a partir dos anos 2000. A partir da segunda metade da década de 2010, no entanto, sua incorporação se deu sobretudo em filmes que problematizaram as dinâmicas sociais envolvendo grupos oprimidos em sua luta por reconhecimento. Nesse sentido, observo a apropriação do modo melodramático no cinema brasileiro da década passada de duas formas: a denúncia das opressões e invisibilidades; e a apresentação das dinâmicas de formação de comunidade a partir da ideia de “família escolhida” em oposição ao essencialismo da noção de “família biológica”.

    Assim, divido o meu corpus de análise da pesquisa em dois grupos. O primeiro analisa os filmes Que horas ela volta (Anna Muylaert, 2016); A vida invisível (Karim Aïnouz, 2019) e Greta (Armando Praça, 2019) pela chave de leitura da noção de “melodrama da mulher desconhecida”, conceito desenvolvido por Stanley Cavell para abordar filmes em que uma protagonista feminina busca ser reconhecida pelos seus pares em uma trajetória de auto-descobrimento, recusando o casamento como solução, e alcançando um clímax num momento de manifestação do seu “eu” que apresenta sua individualidade formada. No segundo grupo de filmes, abordo os filmes Inferninho (Guto Parente, Pedro Diógenes, 2018); Café com canela (Ary Rosa, Glenda Nicácio, 2018); As boas maneiras (Juliana Rojas, Marco Dutra, 2017) através da teoria de Françoise Zamour, que pensa como o melodrama é uma forma de fabricação do coletivo através de uma “estilística da reunião” em que a comunidade é criada pela semelhança que supera a diferença e permite que as pessoas sofram e celebrem juntos a partir dos códigos de excesso, no caso desses filmes a união sendo por uma consciência comum das vivências a nível de raça, gênero e sexualidade. Assim, através desses filmes podemos entender, pela via do melodrama, um pouco o que os debates da década de 2010 nos têm a dizer sobre confronto, conciliação e solidariedade.

Bibliografia

    BALTAR, Mariana Tessituras do excesso: notas iniciais sobre o conceito e suas implicações tomando por base um Procedimento operacional padrão Significação: revista de cultura audiovisual, vol. 39, núm. 38, julio-diciembre, 2012, pp. 124-146

    BOSCO, Francisco. A vítima tem sempre razão?: Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo: Todavia, 2017

    CAVELL, Stanley. Contesting tears: the Hollywood melodrama of the unknown woman. Chicago: The Chicago University Press, 1996

    HONNETH, A. (2003). Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34.

    ZAMOUR, Françoise. Le mélodrame dans le cinéma contemporain: Une fabrique de peuples. Presses universitaires de Rennes, 2017

    ZARZOSA, Agustin. Melodrama and the Modes of the World. Discourse , Spring 2010, Vol. 32, No. 2