Ficha do Proponente
Proponente
- Mili Bursztyn de Oliveira Santos (UFF)
Minicurrículo
- Mini-curriculum (280 caracteres)
Mili Bursztyn é realizadora audiovisual. Doutora em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (2023). Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017). Graduação em Comunicação Social – Radialismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010).
Ficha do Trabalho
Título
- A criança que sabe: cinema, elaboração e escrita da história
Mesa
- Cinema e ditaduras militares: formas de lembrar, elaborar e resistir
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir do conto Alguma coisa urgentemente, de João Gilberto Noll (1980) e dos filmes documentários Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho, e Que bom te ver viva (1989), de Lúcia Murat, investigaremos como as memórias traumáticas do período da ditadura civil-militar (1964-1985) se inscrevem nas respectivas obras a partir da perspectiva da infância.
Resumo expandido
- A criança que sabe é uma expressão tomada emprestada do conto Alguma coisa urgentemente. Na história de João Gilberto Noll, o narrador – um menino filho de um militante político e abandonado pela mãe ainda bebê -, ao testemunhar a prisão do pai pelo aparato de repressão da ditadura civil-militar brasileira, se percebe sozinho e desamparado. Como estratégia de sobrevivência, o menino percebe, instintivamente, que o melhor a fazer seria não deixar transparecer que ele entendia o que estava ocorrendo. De imediato, ele é acolhido por uma vizinha que diz que o pai precisou viajar. O menino finge acreditar: “Pois o que aconteceria se eu lhe dissesse que tudo aquilo era mentira? Como lidar com uma criança que sabe?” (NOLL, 1980, p. 11-12).
Tomamos a ideia da criança que sabe como uma categoria para pensar a ditadura da perspectiva da infância. Quais as marcas deste período sombrio da história brasileira nas vidas de filhos de presos, desaparecidos e mortos políticos? Propomos investigar a imagem da criança que sabe nos documentários Cabra marcado para morrer (1984) e Que bom te ver viva (1989), que trazem importantes testemunhos de mulheres sobre a repressão durante a ditadura. Além de militantes políticas perseguidas, presas e torturadas pelo regime, as mulheres nestes filmes são mães. Não são raros os momentos em que seus filhos aparecem no canto do quadro, observando suas mães enquanto estas são convocadas a narrar o trauma. Muitos deles na época das filmagens já não são mais crianças e, sim, jovens adultos que carecem de mecanismos para compreender como eles próprios estão implicados nestas memórias. Pois, a história nos mostra que as crianças também se enquadram na categoria de vítimas do regime.
Em 2023, a Comissão da Anistia no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) concedeu aos irmãos Janaína e Edson Teles, filhos de militantes do PCdoB presos em 1972, reparação econômica de caráter indenizatório por terem sido obrigados a presenciar a tortura sofrida por seus pais na OBAN (DOI-CODI/SP). Em entrevista ao canal online ICL Notícias Especiais, Janaína Teles, ao comentar a decisão inédita da Comissão da Anistia e as consequências dos fatos ocorridos em 1972 em sua vida, recorda a participação de sua tia e primo em Que bom te ver viva. Demorou para que Janaína se reconhecesse e pudesse ser reconhecida pelo Estado como vítima do regime. Para ela sua experiência não era equiparável a de pessoas como sua tia, torturada quando grávida, ou a de seu primo, torturado na barriga da mãe. Com o passar do tempo, seu entendimento sobre os eventos de 1972 se transforma e ela passa a compreender a experiência de presenciar a tortura dos pais como uma violência em si.
A partir da tomada de consciência de Janaína, na entrevista de 2023, propomos um recuo ao período da abertura política para compreender com os filmes Que bom te ver viva e Cabra marcado para morrer, como a imagem da criança que sabe aparece à margem ou de forma complementar ao testemunho do adulto militante. Para isso, abordaremos o testemunho de Estrela Bohadana em Que bom te ver viva no qual ela destaca a recusa dos filhos em ouví-la narrar a tortura sofrida. Analisaremos também a primeira conversa de Coutinho e Elizabeth Teixeira na cozinha de sua casa, na presença de vizinhos e de três filhos, dentre os quais, Abraão, que a interrompe seguidamente. Tomamos os filmes não apenas como produto de uma época, mas como “espaço de elaboração de experiências e formas históricas” (MESQUITA, 2021, p. 3). Acreditamos, no entanto, que certas elaborações e formas históricas que surgem do ato de testemunhar para a câmera são percebidas com maior ou menor intensidade, segundo os interesses e contextos em que as obras são retomadas. As questões e demandas do presente transformam nosso entendimento do passado. Para aprofundar como a tensão entre a figura materna e os filhos se inscreve nas cenas, recorreremos a fontes, documentos e estudos complementares aos filmes.
Bibliografia
- INFÂNCIA Roubada, Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil. São Paulo: ALESP, 2014 a, p. 269.
MESQUITA, Cláudia. (2021). O presente como história: estéticas da elaboração no cinema brasileiro contemporâneo:. E-Compós. https://doi.org/10.30962/ec.2463
NOLL, João Gilberto. O cego e a dançarina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
ROCHA, Ayala. Elizabeth Teixeira: Mulher da Terra. João Pessoa: UFPB, 2009
SANTOS, Mili Bursztyn de Oliveira A memória da ditadura e da redemocratização nas imagens do cinema de 1984 no Brasil. Tese (doutorado)-Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação Social, Niterói, 2023.
TAVARES, Anna Rachel de Arruda. Memória, justiça e reparação às rupturas impulsionadas pelo estado brasileiro no período de 1961-1985: Uma análise pautada na identidade da família de Elizabeth Teixeira. Dissertação (Mestrado em Direito). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, p. 167, 2022.