Ficha do Proponente
Proponente
- Gianna Gobbo Larocca (UERJ)
Minicurrículo
- Gianna Larocca é professora adjunta do Departamento de Integração Cultural da Escola Superior de Desenho Industrial ESDI-UERJ. É bacharel em Comunicação Social – Cinema e Vídeo pela UFF, mestre e doutora pelo Programa de Pós-graduação em Design PPDESDI-UERJ. Tem experiência em trabalhos de arte gráfica para a direção de arte de obras audiovisuais e pesquisa nas interseções entre os campos do design e do cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Letra-ficção. Tipografia vernacular no cinema brasileiro contemporâneo
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Dando forma e/a conteúdo em placas, muros, banners, impressos e toda sorte de artefato gráfico necessário à diegese, a tipografia vernacular tem marcado presença na direção de arte de filmes brasileiros contemporâneos que trazem para o primeiro plano os assuntos da periferia.
Neste estudo, propomos fazer um primeiro mapeamento sobre o uso deste tipo de letramento diverso e de matriz popular no cinema brasileiro atual, destacando seu potencial enunciativo e participação na ficção.
Resumo expandido
- Uma longa história liga a tipografia ao audiovisual; ela remonta às cartelas do cinema silencioso e se estende aos videografismos que se proliferaram a partir dos anos 1990. Um lugar em que esta relação se estabelece amiúde – mas parece receber menos atenção – desenvolve-se dentro do universo diegético e sob responsabilidade da direção de arte. Em termos profissionais, este trabalho costuma ser creditado no Brasil sob a rubrica “artes gráficas” e ser exercido por um designer ou um membro da equipe de arte com conhecimento na área. Trata-se de um pequeno setor dentro do departamento de arte dedicado à elaboração e confecção das peças de design requeridas na criação do universo diegético – rótulos e publicações, logotipos e anúncios, sinalizações e interfaces. Ou seja, peças nas quais as letras são onipresentes e cuja confecção requer, além de um bom catálogo, a observação dos seus usos.
Em grande parte, tal trabalho consiste em uma produção pautada pela verossimilhança, seja para seu emprego nos cenários – de cartazes em um quadro de avisos ao mais trivial desenho de rótulo de produtos fictícios – ou para peças com função narrativa – notícias de jornal, mensagens de chats e outras interfaces comunicacionais que trazem informações essenciais para o desenvolvimento da trama. A produção destas peças, contemporâneas ao filme ou não, mobiliza um conhecimento da cultura tipográfica e suas tecnologias de reprodução, além de um jogo de imitação com as técnicas disponíveis (em particular nas reconstituições históricas, mas não somente).
Como em outras áreas da direção de arte, orientar-se pela verossimilhança não significa tarefa menos inventiva, mas atuar em uma sutil negociação entre uma mimese que faça visível os aspectos da cultura material elencada e sua interpretação para os fins estéticos propostos, tanto em termos de harmonização segundo as prerrogativas da direção de arte (adaptação a paletas de cores, escalas e formatos determinados pelo efeito do conjunto) quanto em termos discursivos.
Trata-se de um jogo representação-invenção que tem chamado a atenção do campo de estudo ”design ficção”, interessado em projetos especulativos, e que ilumina a função ficcional do desenho das letras presentes na direção de arte.
É nesta imbricação de sentidos que propomos pensar a utilização de tipografia vernacular no cinema brasileiro contemporâneo, destacando sua própria capacidade de remodelação de um design canônico. A tipografia vernacular, com efeito, contempla uma produção alternativa e popular de letras, que abarca manifestações sedimentadas por uma longa tradição – como a dos abridores de letras –, práticas informais e espontâneas encontradas para atender a necessidades imediatas, além dos diversos registros gráficos presentes nas paisagens urbanas que tantas vezes expressam as inconformidades dos citadinos e as vozes da periferia.
Não por acaso, o uso desta tipografia é abundante em obras recentes da produtora Filmes de Plástico. Mas para citarmos apenas um exemplo eloquente, fiquemos com a placa de sinalização da cidade de Bacurau, no filme homônimo de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019). Embora faça referência às placas presentes nas estradas brasileiras, a letra apresenta irregularidades que indicam um desenho manual e o layout escapa do oficial. A sentença ”Se for, vá na paz” reafirma e é reafirmada pelo caráter vernacular proposto no uso tipográfico. Conforme Maciel e Souza (2021), esta escolha aponta para um modelo de design decolonial, que prospera no contraste com os usos tipográficos dos personagens estrangeiros– a interface do drone de caça.
A tipografia vernacular indica um uso da letra que, de pronto, aponta para uma possibilidade de apropriação, cujo acento político é marcado. A partir desta perspectiva, este estudo pretende fazer um mapeamento inicial destas práticas no cinema brasileiro atual, buscando inserir este uso tipográfico, que se desenvolve dentro da direção de arte, no seu lugar enunciativo.
Bibliografia
- Dunne, A.; & Raby, F. Speculative everything: Design, fiction, and social dreaming. Crambridge: The MIT Press, 2013.
Finizola, F.; Farias, P. L. Tipografia Vernacular Urbana: uma Análise dos Letreiramentos Populares. Rio de Janeiro: Blutcher, 2010.
Lupton, E. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. 2ª Edição revista. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
Maciel L. L.; Souza, E. A. B. M. O design de produção enquanto design especulativo decolonial. Anais do 10º Congresso Internacional de Design da Informação – CIDI 2021.
Mandel, L. Escritas, espelho dos homens e das sociedades. São Paulo: Rosari, 2006.
Novais, A. Roteiro e diário de produção de um filme chamado Temporada. Belo Horizonte Editora: Javali, 2021.
Ferreira, B; Jacob, E.; Rocha, I.; Souza, N.; Xavier, T. (orgs.) Dimensões da direção de arte na experiência audiovisual. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2023.