Ficha do Proponente
Proponente
- JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR (UFF)
Minicurrículo
- Jocimar Dias Jr. é Doutor pelo PPGCine (UFF). Mestre pelo PPGCOM (UFF). Bacharel em Cinema e Audiovisual pela UFF, com passagem pela ESTC (Lisboa). Como realizador, dirigiu os curtas ENSAIO SOBRE MINHA MÃE (2014) e VOLLÚPYA (2024, em codireção com Éri Sarmet). Trabalha também como assistente de direção e pesquisador para cinema e audiovisual. É um dos editores da Revista Moventes e oferece cursos livres através da plataforma Ritornelo Audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- Desarquivando insultos com O Petróleo é Nosso (Watson Macedo, 1954)
Seminário
- Tenda Cuir
Formato
- Presencial
Resumo
- Nesta apresentação, proponho uma releitura queer da “chanchada” O Petróleo é Nosso (1954), do cineasta (e homossexual no armário) Watson Macedo. A partir das ideias de Didier Eribon sobre as funções hegemônicas e contra-hegemônicas dos insultos, argumento que o uso de palavras como “jiló” (uma alcunha pejorativa para se referir a homossexuais, mas que caiu em desuso) adquire uma dupla função recorrente em seus filmes, a de debochar do casamento heterossexual compulsório e de fachada.
Resumo expandido
- É de Didier Eribon uma das mais brilhantes teorizações recentes sobre o papel do insulto na vida de pessoas dissidentes de gênero e sexualidade. Ele explica que o insulto “é um ato linguístico – ou uma série de atos linguísticos repetidos – através do qual um determinado lugar no mundo é designado à pessoa a quem tais atos são dirigidos”. Quando alguém é chamado de “bicha” ou “sapatão”, por exemplo, tais palavras não são utilizadas gratuitamente, mas configuram-se como verdadeiras “agressões verbais” que geram constrangimento e vergonha e que buscam produzir certos efeitos — “nomeadamente, estabelecer ou renovar a barreira entre as pessoas consideradas ‘normais’ e […] pessoas ‘estigmatizadas’ e causar a internalização dessa barreira dentro do indivíduo que é insultado” (ERIBON, [1999] 2004, p. 15-17).
Ao mesmo tempo, se há esta função hegemônica do insulto (cujo propósito é evitar a criação de um senso de coletividade e cooperação entre as pessoas insultadas), há também a possibilidade de uma função contra-hegemônica. Ao sair do armário e auto afirmar-se publicamente enquanto “bicha”, por exemplo, um indivíduo empreende a árdua tarefa de reapropriar-se do insulto de uma maneira “positivada” ao mesmo tempo em que busca neutralizar o estigma associado a esta alcunha. Nas palavras de Eribon: “Ele ou ela opta por se identificar com essa identidade atribuída. E a mesma pode assim ser superada, excedida, transformada ou reinterpretada. Não é mais necessário que seja definida de fora. Ela pode ser retrabalhada por dentro. Podemos fazer dela o que quisermos, libertá-la do seu estado reificado, torná-la a base da nossa liberdade” (ERIBON, [1999] 2004, p. 109).
Também é Eribon quem convoca a uma reavaliação das representações preponderantemente “negativas” de “homossexuais” no cinema “clássico” (aquelas rechaçadas pelos trabalhos de Vito Russo, no caso estadunidense, ou de Antonio Moreno, no caso brasileiro, dentre outros), sugerindo que as mesmas desempenharam para sujeitos estigmatizados do passado um certo papel “positivo”, apesar de tudo: “Caricaturar, ridicularizar, insultar homossexuais — por muito tempo, havia poucas outras formas de discurso publicamente acessíveis a respeito deles — era pelo menos falar sobre eles. E falar sobre eles era, de alguma forma, permitir que se reconhecessem. Isso possibilitou que eles superassem a sensação que tinham de estarem sozinhos no mundo” (ERIBON, [1999] 2004, p. 149-150). Nesse sentido, acredito que uma das funções do pesquisador queer em cinema seria o desarquivamento dos insultos para, através deles, elaborar uma abordagem “pragmática” de tais insultos — ou seja, um esforço historiográfico de mapeamento dos usos hegemônicos e contra-hegemônicos desses termos, tendo em vista os contextos sociais e históricos em que os filmes foram produzidos, bem como as concepções de gênero e sexualidade em voga nessas épocas e que levaram à utilização dessas alcunhas específicas.
Nesta apresentação, gostaria de revisitar a “chanchada” O Petróleo é Nosso (1954), do cineasta (e homossexual no armário) Watson Macedo. Nela, Violeta Ferraz e Pituca interpretam um casal adúltero composto por uma esposa masculinizada/dominadora e um marido emasculado/submisso. Apesar de buscarem amantes de maneira heterossexual, ambos têm suas “homossexualidades” sugeridas em diversas piadas do filme. Tal insinuação é mais evidente na cena em que lamentam a perda das suas terras — ela, suas plantações de “mandioca” (com um duplo sentido fálico) e ele, de suas plantações de “jilós” (uma gíria para se referir a homossexuais que caiu em desuso). Para além de instalar suspeitas sobre a sexualidade dos personagens, proponho que, antes de qualquer coisa, a principal função dos insultos no filme é a de debochar do casamento heterossexual compulsório e de fachada enquanto convenção — à qual Macedo, inclusive, não se submeteu em sua vida pessoal.
Bibliografia
- DIAS JR, Jocimar. Este Mundo é uma Frescura: Leituras Frescas das Chanchadas de Watson Macedo. Tese (Doutorado em Cinema e Audiovisual) — Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual, UFF, Niterói, 2022.
ERIBON, Didier (1999). Insult and the Making of the Gay Self. Durham e Londres: Duke University Press, 2004.
MANN, William J. Bastidores de Hollywood: A influência exercida por gays e lésbicas no cinema, 1910-1969. São Paulo: Editora Landscape, 2002.
MORENO, Antônio (1995). A Personagem Homossexual no Cinema Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Funarte; Niterói, RJ: EdUFF, 2002.
RUSSO, Vito (1981). The Celluloid Closet: Homosexuality in the Movies (Revised Edition). Nova York: Harper & Row, 1995.
SEDGWICK, Eve Kosofsky. Epistemology of the Closet. Berkeley, LA: University of California Press, 1990.
VIEIRA, João Luiz. “A Chanchada e o Cinema Carioca (1930-1950)”. In: RAMOS, Fernão; SCHVARZMAN, Sheila (org.). Nova História do Cinema Brasileiro (Vol. 1). São Paulo: Edições Sesc, 2018.