Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Joel Pizzini Filho (UFF)

Minicurrículo

    Cineasta, documentarista e professor, seu trabalho no cinema inclui direção, roteiro, e produção. Autor de ensaios documentais premiados internacionalmente como Caramujo-Flor (1988), Enigma de Um Dia (1996) e Dormente (2006). Diretor de Elogio da Graça (Grande Prêmio do Cinema Brasileiro), Mr.Sganzerla, vencedor do Festival É Tudo Verdade (2010) e Zimba (2020). Dirigiu o filme-ensaio Olho Nu (sobre Ney Matogrosso). É mestre em Letras pela UFF com a pesquisa O Cinema de Poesia segundo Pasolini.

Ficha do Trabalho

Título

    Os Pantanais de Arne Sucksdorff: Roteiros da Arte ao Ativismo

Mesa

    Cinema no Pantanal

Formato

    Presencial

Resumo

    Através de um relato-experiência, o cineasta Joel Pizzini refletirá sobre o processo de preparação nos anos 1990 de seu primeiro longa-metragem Ave Sucksdorff, interrompido na Era Collor e não realizado com a morte do diretor e naturalista Arne Sucksdorff. Além dos aspectos estéticos, técnicos e políticos do projeto, Pizzini abordará o trabalho de pesquisa envolvendo a curadoria da primeira retrospectiva do autor sueco no Brasil até culminar com a realização do curta-metragem Elogio da Graça.

Resumo expandido

    Diante da inesperada resposta a meu primeiro filme, Caramujo-Flor, sobre a vida do poeta Manoel de Barros no Pantanal, no Festival de Brasília de 1988, que caiu nas graças do público, da crítica e do júri, decidi queimar etapas e me atirar na experiência inaugural no longa-metragem, através de “Ave Sucksdorff”, um ensaio documental sobre a trajetória criativa e política do cineasta e naturalista Arne Sucksdorff, da Suécia aos trópicos.

    O primeiro encontro com o personagem se deu em Cuiabá, Mato Grosso, onde ele vivia há 20 anos. Quando o visitei, em 1989, ele tinha 73 anos e sua casa parecia um museu improvisado, com fotografias de bichos em família ocupando as paredes da sala e as estantes repletas de livros e revistas em que alertava para a devastação do ecossistema do Brasil Central.

    No escritório, além da mesa de edição, havia carretéis de filmes de 16 mm, gravações em fita de rolo, inúmeros cromos e, sempre a mão, um exemplar do livro recém-lançado, Pantanal, Paraíso Perdido. Arne revela-me, contudo, o drama que o enlouquecia aos poucos: um processo que movia há décadas contra a União. Em plena ditadura militar, Sucksdorff ganhou de presente de casamento uma gleba de 60 mil hectares ao norte de Mato Grosso de um grupo de empresários suecos. Mas quando o sonho de criar uma reserva ecológica para reintegrar menores abandonados começava a se concretizar, o projeto cai por terra. O território foi confiscado pela FUNAI durante a ampliação do Parque do Xingu. Conhecido defensor dos índios, Sucksdorff se vê numa situação paradoxal, e subitamente perde tudo que aplicou no plano de ocupação da área. Abismado com o cenário kafkiano que prenunciava a ruína familiar, pensei em recriar a história do artista-ativista desencantado com a humanidade no afã de se recompor da tragédia existencial.

    O rigoroso cineasta europeu abandonara enfim o cinema em nome da militância ecológica, produzindo nos anos 1970 seu testamento audiovisual: uma série de quatro reportagens para a televisão sueca chamada Mundo à Parte, produto de uma aventura nômade de dez anos pelo Pantanal com a mulher, a agrônoma Maria Graça, que resultou em dois filhos (Anders e Cláudio), 2 livros, roteiros e milhares de fotografias .

    Ao propor Ave Sucksdorff, o mestre exigiu porém um filme completo, narrado por seu conterrâneo Max Von Sydow evocando seus encontros com figuras notáveis como Quincy Jones, autor da trilha sonora de 0 Menino e a Árvore (1961), com seu amigo Stanley Kubrick (que o hospedara durante a lua de mel com Maria) e o músico Ravi Shankar, que colaborou em O Vento e o Rio (1951).

    Convidei a cineasta e produtora de Caramujo-Flor, Eliane Bandeira, para compartilhar a grande aventura e partimos para a pesquisa, constatando entretanto que só existiam em nossos arquivos, as cópias de Fábula (1965), na Cinemateca do MAM, e a série Mundo à Parte no CTAV. Para assistir a produção realizada na Europa e mundo afora, organizei na paulicéia uma retrospectiva quase completa de seus filmes e um debate na Folha de São Paulo com participação de Sucksdorff e do ex-aluno Arnaldo Jabor.

    Após a projeção dos filmes inéditos no Brasil, os ventos nórdicos sopram a favor e Ave Sucksdorff é aprovado em concurso público da Embrafilme. A celebração dura pouco, pois, antes da assinatura do contrato, a distribuidora estatal é extinta pelo governo Collor. Em meio ao desmonte cultural, o projeto é abortado e Sucksdorff retorna à Suécia para se tratar em tempo de escrever a autobiografia antes de falecer aos 83 anos de idade.

    Vinte anos depois do projeto interditado, recebo o simbólico convite do CTAV para criar os extras do dvd da série Mundo à Parte e nasce daí Elogio da Graça, revisão poética de uma saga à deriva na memória. Sobrevive o ponto de vista da companheira de trinta anos, Maria Sucksdorff, personagem que à sombra do mito colabora silenciosamente para erigir uma obra de fôlego sobre os mistérios e abismos da maior planície inundada do planeta.

Bibliografia

    PIZZINI, Joel. Ave Sucksdorff!. Revista Filme Cultura n.58 – jan-março, 2013.