Ficha do Proponente
Proponente
- Marcos Antonio de Lima Junior (UAM)
Minicurrículo
- Mestre e doutorando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi. Professor e coordenador do curso de graduação em Design de Animação no SENAC Lapa Scipião. Co-coordenador do projeto de pesquisa Arte e (re)presentação virtual (SENAC/CNPq). Também é professor no curso de pós-graduação em Direção de Arte Audiovisual e no curso superior de Tecnologia em Fotografia, ambos no SENAC, e no Centro Paula Souza – Etec. Interessa-se por surrealismo, insólito e estudos sobre narrativas audiovisuais.
Coautor
- Rogério Ferraraz (UAM)
Ficha do Trabalho
Título
- Atlanta e a lente do absurdo
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- O trabalho visa compreender como a série Atlanta explora a (sur)realidade através da lente do absurdo, mostrando aquilo que seu criador, Donald Glover, chama de áreas cinzentas, espaços de suspensão onde a experiência humana do onírico e do real acontecem. A hipótese é que, dessa forma, Atlanta amplia a percepção da vivência dos corpos negros, gerando inquietações e estranhamentos por meio de uma narrativa insólita.
Palavras-chave: Narrativa seriada. Atlanta. Absurdo. Estranhamento. Insólito.
Resumo expandido
- Atlanta (2016-2022) é uma série estadunidense criada e estrelada por Donald Glover, com produção e exibição pelo canal FX. A série tem como premissa a história de dois primos que sonham em se destacar no cenário rap local em um esforço para melhorar suas vidas. Essa premissa se desenvolve em uma espécie de versão surreal da cidade de Atlanta, sendo esse um dos seus maiores destaques. Desde seu lançamento, a série ousou desafiar e colocar a audiência em posições desconfortáveis enquanto trabalhava, em sua trama, temáticas raciais, culturais, sociais, econômicas, artísticas, entre outras, por meio de seu universo onírico.
O trabalho aqui proposto visa compreender como a série Atlanta explora a (sur)realidade através da lente do absurdo, mostrando aquilo que Glover chama de áreas cinzentas. Ao falar sobre a criação da série, Glover argumenta que a natureza surreal da experiência humana se trata de algo estranho e que “a maioria das coisas fica na área cinzenta” (NPR, 2016). Essas áreas cinzentas se encontrariam entre o real e o onírico, sendo um local de suspensão, onde as experiências humanas, insólitas e concretas, acontecem, mas que só podem ser observadas a partir desse choque de percepção. Portanto, elas só se tornariam visíveis quando vistas pelas lentes do absurdo, potencializada pela ficção televisiva, que revelam essas áreas e seu ambiente oscilante. Essa ideia vai ao encontro da proposta do Manifesto Afro-surrealista (MILLER, 2009.) que postula que existe um mundo invisível que luta para ser revelado e que “a natureza (inclusive a humana) gera mais experiências surreais do que qualquer outro processo poderia produzir.” Além de toda a discussão sobre o afro-surrealismo e o onirismo, um dos conceitos que nos ajudam aqui é o de infamiliar (FREUD, 2019), principalmente no que se refere à sensação estranha e/ou inquietante que nos leva a questionar o que temos como conhecido, como familiar.
A lente do absurdo é constituída por diversos fatores que se complementam, mas ao mesmo tempo são heterogêneos, tais como elementos narrativos, estilísticos, filosóficos, culturais e artísticos. Rogério Ferraraz (2003), em sua tese sobre a obra do cineasta estadunidense David Lynch, propõe um conceito que também pode servir para fundamentar essa lente do absurdo, o cinema limítrofe (ou fronteiriço): “esse cinema limítrofe encontra-se nas fronteiras do ilusionismo e do antiilusionismo, da narrativa clássica e das propostas de vanguarda, do cinema comercial e do filme experimental. (…) quebrando a visão dicotômica (…) suas obras embaralham o sentido das coisas para mostrar a complexidade do ser humano mergulhado no mundo, um mundo misturado e caótico.” (FERRARAZ, 2003, p. 165-166) Não se está distante também da análise que Slavoj Zizek faz da obra de Lynch, denominando-a de “arte do sublime ridículo”. (ZIZEK, 2009) Vale lembrar que Glover, ao lançar sua série, dizia querer que Atlanta fosse uma “Twin Peaks com rappers.” (CWIK, 2016)
A lente do absurdo rejeita a necessidade de comprometimento fiel com qualquer desses elementos, não há busca por um padrão ou método, há a apenas a preocupação em apontar a lente e ampliar a percepção da realidade em questão por meio do absurdo de situações e personagens, que permitem que a reflexão e a experiência de estar em um corpo negro, por exemplo, somente seja possível nas áreas cinzentas. Para W.E.B Dubois (2021), o negro vive em uma espécie de consciência dupla onde ao mesmo tempo é um negro e um cidadão do país enxergando a si mesmo pela régua de um mundo que se diverte em vê-lo com desprezo e pena. Essa dualidade do indivíduo essas “duas almas, dois pensamentos, duas lutas inconciliáveis; dois ideais em disputa em um corpo escuro, que dispõe apenas de sua força obstinada para não se partir ao meio.” (DUBOIS, 2021, p. 23) A hipótese desse trabalho, portanto, é que Atlanta amplia a percepção da vivência dos corpos negros, gerando inquietações e estranhamentos por meio de uma narrativa insólita.
Bibliografia
- CWIK, Greg. Donald Glover Wants Atlanta to Be ‘Twin Peaks with Rappers’. Vulture, jan.2016. Disponível em: . Acesso em 31/mar/2024.
DONALD Glover explores a surreal feel in ‘Atlanta’. NPR, 2016. Disponível em:. Acesso em 31/mar/2024.
DUBOIS, W.E.B. As almas do povo negro. SP: Veneta, 2021.
FERRARAZ, Rogério. O cinema limítrofe de David Lynch. SP: PUC-SP, 2003.
FREUD, S. Freud – O infamiliar [Das Unheimliche] – Edição comemorativa bilíngue (1919-2019). SP: Autêntica, 2019.
MILLER, S. Call it Afro-Surreal. Disponível em: Acesso em 31/mar/2024.
SPENCER, R. Afrosurrealism: The African diaspora’s surrealist ficction. New York: Routlegde, 2020.
ZIZEK, Slavoj. Lacrimae rerum: ensaios sobre cinema moderno. SP: Boitempo, 2009.