Ficha do Proponente
Proponente
- Olívia Érika Alves Resende (UFRJ)
Minicurrículo
- Doutoranda em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021-2025); mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2019); graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013). Atua como produtora audiovisual no Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedecom/UFMG).
Ficha do Trabalho
Título
- O potencial equívoco do cinema incomum de Patrícia Yxapy
Seminário
- Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas
Formato
- Presencial
Resumo
- Investigo as vídeo-cartas de Patrícia Ferreira Yxapy, integrante de “Nhemongueta Kunhã Mbaraete”, a fim de perceber como contratempos audiovisuais, articulados por instabilidades imagéticas e sonoras, fazem emergir nos filmes da cineasta Mbyá uma série de equívocos ontológicos. Defendo que Patrícia, ao convocar o exercício de escutar as imagens, elabora um cinema “incomum”, em que a câmera se compromete com uma duração a partir da qual ocorrem deslocamentos espaçotemporais entre mundos.
Resumo expandido
- Em 2021 e 2023, durante o Seminário Temático “Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas”, da Socine, apresentei desdobramentos da minha pesquisa de doutorado que tematiza o projeto audiovisual “Nhemongueta Kunhã Mbaraete” (Conversa entre mulheres guerreiras). Composto por quatro filmes-conversas, o projeto é baseado na troca de vídeo-cartas entre as cineastas Graciela Guarani, Michele Kaiowá, Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Sophia Pinheiro, desenvolvido durante os primeiros messes da pandemia de covid-19. No encontro de 2021, apresentei de visões indígenas de “corpo” e de “território” que fundamentam uma concepção alternativa de cinema, visto enquanto sonho, linguagem operadora de subjetivações. No ano passado, desenvolvi uma análise mais direcionada para o gesto fílmico de Michele Kaiowá, observando o expresso desejo da cineasta de “inventar o que fazer” como uma operação criativa que, ao recriar o movimento dos corpos em meio ao isolamento, aproxima o cinema a rituais de proteção Guarani, com experimentações fílmicas que se revelam curativas.
Para a nova edição do ST, proponho outra reflexão derivada da tese e que se concentra a investigar o cinema de Patrícia Ferreira Yxapy, cineasta que pertence ao povo Mbyá Guarani e que, durante a pandemia, filma o seu cotidiano em Ko’enju, aldeia próxima a São Miguel das Missões (RS). Com a paralisação das aulas na aldeia, é fechada a escola onde Patrícia até então atuava como professora. Nas filmagens das vídeo cartas, Patrícia elabora um pensamento audiovisual que, como já observado por Clarisse Alvarenga (2019), convoca para as imagens um momento de pausa para exercitar a escuta. Seja ao redor do fogo ou diante das imagens do nascer do sol, as reflexões de Patrícia sobre a pandemia se concentram e se estendem, enredada de silêncios, reelaborações e reticências sonoras e visuais. Presença persistente ao lado da cineasta, a câmera se compromete com o processo de resguardo da cineasta, expande e se envolve nessa escuta audiovisual, algo que se mostra nos duradouros planos que hospedam também a duração do dia e da noite.
O trabalho de construção da luz, articulado ao cuidadoso processo de elaboração das falas da cineasta, faz emergir nas vídeo-cartas contratempos entre visões de mundo, desacordos em modos como humanos e não humanos se relacionam, entre formas divergentes de conviver com “a natureza”. A partir de análises de três sequências, retiradas de três vídeo-cartas de Patrícia para o projeto Nhemongueta, busco mostrar como esses desentendimentos audiovisuais se apresentam na tela. Partindo do conceito de equívoco, tal como desenvolvido por Viveiros de Castro (2018), pretendo apontar que as divergências sonoras e visuais desenvolvidas não apenas apontam para desentendimentos de como diferentes seres usufruem de um mesmo mundo, mas para conflitos ontológicos em que mundos distintos falam sobre coisas que não são as mesmas. Marisol de La Cadena (2018), ao provocar um pensamento sobre os limites de se pensar um “comum” entre indígenas e não indígenas, nos provoca a pensar o gesto fílmico de Patrícia como parte de um cinema “incomum”.
As imagens da cineasta Mbyá, ao se engajarem no exercício de uma escuta cosmológica, potencializam a agência de ara (ou ará), que, como indica Patrícia (2017) e desenvolve Eliel Benites (2021), é um termo Guarani que carrega consigo a potência da luz (do sol e de outras fontes), sua dimensão e sua duração. Feita de luz, a imagem traz consigo a potência do fogo, a intensidade de conexão com “Nhamandu”, divindade que faz nascer o dia. O cinema passa a ser compreendido como tecnologia ancestral capaz de criar uma duração que, ao tornar o aqui e agora do cotidiano irredutível a um tempo presente, prolifera uma série de deslocamentos espaçotemporais entre mundos.
Bibliografia
- ALVARENGA, Clarisse. O caminho do retorno: o cinema feito pelas cineastas ameríndias In: HOLANDA, Karla (org). Mulheres de Cinema. Rio de Janeiro: Numa , 2019.
BENITES, Eliel. A Busca do Teko Araguyje (jeito sagrado de ser) nas retomadas territoriais Guarani e Kaiowá. (Tese de Doutorado) Universidade Federal da Grande Dourados; 2021
DE LA CADENA, Marisol. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.69 (Dossiê Entreviver – Desafios cosmopolíticos contemporâneos), 2018.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. 1ª ed. São Paulo: Cosac Naify. 2018
YXAPY, Patrícia Ferreira. Fronteira, espaço e paisagem. In: Xadalu Movimento Urbano. Adauany Zimovski, Carla Joner e Dione Martins (Orgs.). Porto Alegre: Joner Produções, 2017