Ficha do Proponente
Proponente
- Sthael Gomes (UFMG)
Minicurrículo
- Sthael Gomes é bacharel em Comunicação Social Audiovisual pela Universidade de Brasília. É mestranda na linha Pragmáticas da Imagem no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG. É bolsista do Projeto Universal do CNPq: por teorias e métodos feministas no estudo do cinema – entre formas, narrativas e corpos de mulheres. Trabalha com direção de arte para cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Uma máscara cor de rosa: brechas para a feminilidade no cinema
Formato
- Presencial
Resumo
- O presente estudo pretende introduzir e discutir a teoria da máscara no cinema de Mary Ann Doane e buscar algumas das formas através das quais essa máscara entra em cena por meio do figurino. Reconhecemos as lacunas atuais no uso dessa teoria dentro da produção acadêmica brasileira de estudos de cinema. Propomos, assim, um inventário de imagens de filmes de grande bilheteria internacional para investigar o vestido cor de rosa como uma das possíveis materializações da máscara.
Resumo expandido
- Uma das pioneiras nos estudos de gênero no cinema, Mary Ann Doane traz o conceito de máscara do texto A Feminilidade Como Máscara da psicanalista britânica Joan Rivière. Publicado em 1929, ele se desenvolve sobre os casos de algumas das pacientes de Rivière que demonstravam um excesso de feminilidade como formação reativa (termo da psicanálise freudiana para descrever um mecanismo de defesa gerado pelo receio de sofrer punições sociais). Essa seria uma reação observada em mulheres que assumiam posições de sujeito consideradas masculinas, como no caso de uma intelectual que discursava para o público. Tais mulheres, após suas performances masculinizantes, sentiam a necessidade inconsciente de exagerar ou intensificar sua feminilidade, a fim de evitar represálias advindas do uso, ainda que temporário e limitado, da masculinidade (RIVIÈRE, 1929, p. 304-305).
A feminilidade funcionaria, então, como um disfarce para mulheres escrutinadas pelo olhar do patriarcado, com o qual poderiam ser percebidas como mulheres inocentes, castradas. Trata-se de uma ferramenta de proteção que cria uma sensação de segurança frente à ameaça, ainda que inconsciente, representada pela possível reação negativa vinda dos homens (RIVIÈRE, 1929, p. 306).
Para compreender o que seria a máscara ao cinema, Doane (2008, p. 25-41) faz alguns movimentos. Primeiramente, busca como a proximidade entra na construção da feminilidade nas teorias psicanalíticas, linguísticas e feministas. Em seguida, no interior da própria teoria do cinema, ela apresenta a questão da diferença sexual no aparato fílmico, na relação com a imagem e seus consequentes impactos sobre a espectatorialidade feminina. Finalmente, mostra como o conhecimento que a teoria e o cinema têm das mulheres se baseia em grande parte no que está ou não visível, bem como na estabilidade ou instabilidade dessa imagem (DOANE, 2008, p. 9).
Dentro deste contexto, são identificadas quatro possíveis posições de espectatorialidade para as mulheres da audiência. A posição de masculinização do olhar e as posições de identificação com o feminino: narcísica, passiva ou masoquista, e a máscara. Ao reconhecer a feminilidade como uma máscara que pode ser usada ou retirada, à espectadora é permitido encontrar um espaço diferente e fabricar a distância faltante para a mulher no cinema e nas teorias.
Nesse sentido, buscamos mapear alguns exemplos da máscara sendo colocada em cena em sequências do cinema britânico-americano de grande bilheteria para elaborar porque ostentar a feminilidade é colocar em primeiro plano e, ao mesmo tempo, longe de si, a imagem construída que mostra o que é ser uma mulher. Para tanto, identificamos passagens em que a máscara está associada ao figurino, mais especificamente, aos vestidos cor de rosa. Acionado em modelos, tecidos e tons variados, há muito ele se estabeleceu (não só no cinema, mas numa iconografia das mulheres) como epítome visual da performance feminina.
Ele faz parte, por exemplo, da autoconstrução de Roxie Heart como mulher inocente durante sua performance Funny Honey no musical Chicago (Rob Marshall, 2002). Surgiu de modo surpreendente e esvoaçante quando usado pela personagem “nerd” Hermione Granger durante o baile do quinto filme da franquia Harry Potter, O Cálice de Fogo (Mike Newell, 2005). Até mesmo no cinema de horror a performance de feminilidade pode ser vista sendo materializada através da peça. Em Carrie, A Estranha (Brian De Palma, 1976), a protagonista leva o banho de sangue no baile de formatura justamente quando usava um sutil vestido rosa-claro. E é no vestido social com cinto brilhante que Elle Woods ganha seu primeiro caso em Legalmente Loira (Robert Luketic, 2001).
A partir desse breve inventário de imagens, buscamos discutir a noção de máscara e como ela parece se materializar no figurino em uma relação delicada e complexa, quase paradoxal, entre a possibilidade de afirmação da subjetividade feminina e uma iconografia usada tantas vezes como lugar de opressão.
Bibliografia
- DOANE, Mary Ann. Femmes fatales: feminism, film theory, psychoanalysis. Routledge, 2008.
HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Editora Garamond, 2014.
IRIGARAY, Luce. This sex which is not one. Cornell university press, 1985.
MONTRELAY, Michèle. Inquiry into femininity. In: m/f a feminist journal. Billings, Guildford, Londres, p. 83-101, 1978
MULVEY, Laura. Prazer Visual e Cinema Narrativo. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983, p. 437-453.
PENDERGAST, Sara; PENDERGAST, Tom. Fashion, Costume, and Culture: Clothing, Headwear, Body Decorations, and Footwear through the Ages. [S.l], 2003.
RIVIERE, Joan. Womanliness as a masquerade. In: International Journal of Psycho-Analysis, vol. 9, p. 303-313, 1929.