Ficha do Proponente
Proponente
- Paula Monte Coutinho de Souza (UFRJ)
Minicurrículo
- Mestranda em Mídias Criativas, na UFRJ. Especialização em Cinema Documentário (2017) / FGV e Fotografia – Imagem, Memória e Comunicação (2008) / Universidade Cândido Mendes. Dirigiu 2 curtas documentário, “Por uma fresta entra a vida que o sol empresta (2021) e “Quando formigas encontram as águas (2024). Na fotografia assinou a série da Globoplay “Enredos da Liberdade” (2024); o longa documentário “Salão de Baile” (2024); o curta documentário “Noite das Garrafadas” (2023), entre outros.
Ficha do Trabalho
Título
- O pluriverso e a estética decolonial no documentário
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a produção do documentário “Faya Dayi” (2021), da cineasta mexicana/etíope Jessica Beshir, com base nas contribuições teóricas latino-americanos sobre o pluriverso e a estética decolonial, a fim de apresentar, com esse diálogo, uma proposição do fazer documental como uma práxis de re-existência e resistência aos domínios do padrão hegemônico.
Palavras chave: documentário contra-hegemônico; estética decolonial; pluriverso;
Resumo expandido
- Em vista às concepções teóricas do pluriverso e da estética decolonial, a pesquisa apresenta reflexões de como as escolhas narrativas e formas de abordagem do documentário “Faya Dayi” (2021), a partir das subjetividades e experiências da cineasta Jessica Beshir, construíram caminhos que possibilitaram ao filme transmitir o clima e as expressões do que estava sendo filmado, provocando ao espectador uma experiência sensorial.
Longa metragem de estréia da diretora, “Faya Dayi” (2021) marca também seu reencontro ao território ao qual cresceu. Filha de mãe mexicana e pai Etíope, Beshir nasceu na Cidade do México, e viveu dos 2 aos 16 anos na Etiopia, até a fuga da família para o México em função da guerra política no país. Atualmente em Nova York, onde foi estudar cinema, ela relata que a idéia surge da vontade de reconexão, e que nesse retorno, ela reencontra no khat, planta milenar nativa do país, a sua conexão com a ancestralidade e a cura pessoal.
Diz a lenda etíope que o khat, uma folha estimulante, foi encontrado pelos Imames Sufi em busca da eternidade. Inspirada neste mito, a realizadora vai em busca de uma viagem espiritual às terras altas de Harar, imersa nos rituais do khat, que os muçulmanos sufis mastigavam para meditações religiosas, e, atualmente, é a colheita comercial mais lucrativa da Etiópia. Através do prisma do comércio da planta, “Faya Dayi” tece uma tapeçaria de histórias íntimas e à medida que elas se sobrepõem, o próprio khat aparece como uma complexa construção social, que traz iluminação e há muito está ligada à dinâmica do misticismo e do trabalho na região, mas que também, ultimamente, é lançada em um acentuado alívio do vício e do desespero crescente.
Na direção de fotografia também, Beshir entrelaça o pensamento mítico das pessoas com a dura realidade em que vivem, transformando em imagens as sensações do ato de mascar a planta. Ao escolher a cinematografia em preto e branco, o filme transmite o forte sentido da espiritualidade sufi que permeia a vida em Harar, e constrói os sentidos de luz e sombra, relacionados com a lenda, sobre a gênese da luz e trevas, que permeia o filme.
Tendo em vista as estruturas narrativas e as formas de abordagem do filme, o trabalho estabelece um diálogo com duas teorias decoloniais, a fim de propor, a partir delas, uma reflexão acerca do fazer documental, que confronte o saber hegêmonico moderno não apenas nos recortes temáticos, mas também em sua formas nas escolhas de imagem e som, de modo que leve ao espectador um sentimento, uma sensação, uma experiência sensorial.
A partir de teóricos como Arturo Escobar (2020), Cristina Rojas (2019), Mario Blaser e Marisol de la Cadena (2018), o trabalho desenvolve uma relação com as reflexões acerca do pluriverso, que confrontam o status da modernidade como a única alternativa possível de produzir realidade, propondo que, ao lado dela, encontram-se múltiplas realidades, outras narrativas além da que nos é imposta pelo modelo vigente (ROJAS, 2019). Nesse sentido, a pesquisa apresenta a práxis documental como uma ferramenta de abertura de caminhos para essas outras percepções e experiências de mundo.
No campo estético, o trabalho constrói uma reflexão da abordagem em relação ao que Walter Mignolo propõe em seu artigo Aiesthesis Decolonial (2010), quando reflete sobre uma produção artística baseada nas sensações e na decolonização do sentir, uma vez que a colonização reduziu a aiesthesis, relacionada aos sentidos, a uma estética universalizante da beleza de concepções européias (MIGNOLO, 2010). Através de pesquisadores, como o próprio Mignolo, além de Adolfo Albán Achinte (2012), Silvia Rivera Cusicanqui (2021), Ella Shohat e Robert Stam (2006), a apresentação parte de suas percepções para analisar a estética decolonial de “Faya Dayi” (2021), que transmite uma percepção e relaciona a estética a uma sensação, a fim de levantar proposições de uma práxis documental contra colonial/moderna/hegemônica.
Bibliografia
- ACHINTE, Adolfo Albán. Estéticas de la re-existencia: ¿lo político del arte?. In Estéticas y opción decolonial, eds. Walter Mignolo y Pedro Pablo Gómez. Bogotá: Editorial Universidad Distrital Francisco José de Caldas, 2012.
BLASER, Mario; DE LA CADENA, Marisol. A World of Many Worlds. Durham: Duke University Press, 2018.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Ch’ixinakax utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: n-1 edições, 2021.
ESCOBAR, Arturo. Pluriversal politics : the real and the possible. Durham : Duke University Press, 2020.
MIGNOLO, Walter D. Aiesthesis decolonial. CALLE14: Revista de investigación en el campo del arte, Bogotá, v. 4, n. 4, 2010.
ROJAS, Cristina. Contestando as Lógicas Coloniais do Internacional: Rumo a uma Política Relacional para o Pluriverso. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD,
v. 8, n. 15, 2019.
SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.