Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Vaz Perez (PUC Minas)

Minicurrículo

    Doutor em Histórias e Políticas pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas e graduado em Jornalismo pela mesma instituição. Professor Adjunto I e coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas. Membro do Conselho Curador do Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC-MG).

Ficha do Trabalho

Título

    “Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia”: contextos e trajetórias

Seminário

    Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência

Formato

    Presencial

Resumo

    Objetivamos construir contextos para compreender a realização de Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia (Leon Hirszman, 1969), filme distante dos engajamentos políticos do Cinema Novo e do CPC e da luta pelo mercado exibidor da Difilm. O média em 16mm, experimental, flerta com a tropicália e com a curtição contracultural. Buscando refazer entorno e trajetória da obra, a partir de pesquisa documental e entrevistas, buscamos oferecer novos olhares para a fita, deixada de lado na historiografia.

Resumo expandido

    Após o sucesso de público e fracasso de crítica de Garota de Ipanema (1967), filme comercial realizado no âmbito da Difilm e sua luta pelo mercado exibidor, Leon Hirszman realizou dois filmes bem distintos em 1969: Nelson Cavaquinho, filmado em janeiro (mas montado apenas no final de 1970), e o média em 16mm Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia, filmado em maio. Não restaurado e pouco exibido, este último filme se tornou um dos menos estudados e discutidos da obra do cineasta. Interpelado por um olhar autorista, destoa da filmografia do cineasta. Mas, se mostra em sintonia com as experimentações estéticas mais radicais daquele momento.

    Este filme é o objeto de interesse dessa comunicação, que, em sintonia com os questionamentos metodológicos de Bernardet (2008), busca construir contexto histórico que ajude a compreender os dilemas envolvendo sua realização e as condições de sua produção. Para tanto, recorremos à pesquisa em arquivos com documentos primários, como jornais, revistas, processo censório, bem como biografias e entrevistas de agentes envolvidos na realização, como Ítala Nandi e Luiz Carlos Saldanha – jogando luz sobre seus papeis co-criadores no filme. Acreditamos contribuir com a revisão historiográfica sobre o período a partir de obra pouco investigada, iluminando algumas lacunas, explicitando outras e oferecendo novas perspectivas para refletir sobre a história do filme, e o lugar do filme na história do cinema feito no Brasil. E, assim, contribuir para salvar o filme do esquecimento, colaborando para sua preservação

    Sexta-feira foi realizado para integrar o longa em quatro episódios América do Sexo, produção arranjada por Luiz Rosemberg Filho. Os filmes teriam em comum, além da sugestão à sensualidade, o protagonismo de Ítala Nandi, musa do tropicalista Teatro Oficina. Co-produzida por Antonio Polo Galante, a fita seria distribuída pela Servicine, recém-constituída na Boca do Lixo.

    O média foi filmado sem roteiro em dois dias, em clima de curtição e liberdade meses após o AI-5, a partir de improvisações dos participantes com objetos levados por eles mesmos. Em cena, jovens sorridentes, com pouca roupa, curtindo um barato na praia deserta durante a Semana Santa. A fita investe na saturação do tempo com bruscas rupturas, com planos longos e poucos cortes que propiciam o registro lúdico e insistente da curtição. As escolhas formais resultam na ausência de encadeamento narrativo claro, dificultando a construção de sentido, desdobrando na tela o dilema da impossibilidade da comunicação daquele fim de década.

    O desbunde tropicalista do Oficina, o erotismo da Boca do Lixo, o registro em 16mm, a curtição e o improviso marginal, a dificuldade do sentido são elementos a princípio distantes do que o comunista, cepecista e cinemanovista Leon Hirszman havia realizado até então, sempre em busca do diálogo. Por que Leon realizou este filme?

    Em entrevista para Viany (1999), Hirszman afirmou que, no ambiente pós AI-5, pensou em largar tudo e mudar de país. Mas, sua resposta aos dilemas estético-políticos daquele tempo foi o mergulho na contestação contracultura e na liberdade criativa – a exemplo de Fome de Amor (1968), de Nelson Pereira dos Santos, e Câncer (1968), de Glauber Rocha. O desbunde, no entanto, foi breve: após a montagem, o cineasta optou por retirar sua fita do projeto. De todo modo, América do Sexo viria a ser interditado pela Censura, e não foi exibido comercialmente. Mas Sexta-Feira seguiu outros caminhos, passando por diferentes títulos, montagens e versões (chegando a ser comercializado como curta na década de 1980). Trajetória que será demonstrada nesta comunicação a partir de entrevistas e documentos.

    Olhar para esta obra hoje contribui ainda para tecer nuances entre caminhos tidos como apartados, pois a fita se inscreve no epicentro das disputas e reconfigurações estético-políticas nas artes de esquerda do Brasil no fim da década de 1960, entre a vertente nacional-popular e o tropicalismo.

Bibliografia

    BASUALDO, C. (org.). Tropicália. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

    BERNARDET, J. C. Historiografia clássica do Cinema Brasileiro. São Paulo, Annablume, 2008.

    CALIL, C. A.; LORENÇATO, A. (orgs). É bom falar. Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil, 1995.

    CÁRDENAS, F. “Leon Hirszman”. Revista Hablemos de Cine, n 49, pp 16-20, 1969.

    CARDENUTO, R. Por um cinema popular: Leon Hirszman, política e resistência. Cotia: Ateliê Editorial, 2020.

    FAVARETTO, C. A contracultura entre a curtição e o experimental. N1; Hedra. São Paulo, 2019.

    NANDI, I. Teatro Oficina: onde a arte não dormia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

    RAMOS, F. P. Cinema marginal: a representação em seu limite. São Paulo: Embrafilme; Brasiliense, 1987.

    RAMOS, F P; SCHVARTZMAN, S (org). Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.

    SALEM, H. Leon Hirszman: o navegador das estrelas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

    VIANY, A. O processo do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999