Ficha do Proponente
Proponente
- Rodrigo Sombra (UFMS)
Minicurrículo
- Professor adjunto do curso de Audiovisual da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutor em Comunicação pela UFRJ, com doutorado sanduíche na New York University (bolsa CAPES). Mestre em Estudos de Cinema pela San Francisco State University (SFSU).
Ficha do Trabalho
Título
- O cinema de Charles Burnet: esboço para uma apreciação estilística
Seminário
- Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.
Formato
- Presencial
Resumo
- Proponho uma apreciação estilística do cinema de Charles Burnett. Num primeiro momento, revisito a literatura consagrada ao cineasta a fim de entender se a filiação realista a ele atribuída não ofuscaria a percepção de aspectos singulares do seu estilo. Em seguida, analisarei algumas marcas estéticas distintivas na obra do autor americano, o que chamo de “poética da saturação espacial” e de”poética da digressão”, ao lado de uma análise do uso da canção popular e da mise en scène em seus filmes
Resumo expandido
- Em um vídeo-ensaio dedicado a O Matador de Ovelhas (1977), Adrian Martin e Cristina Álvarez López demoram-se numa imagem paradigmática do longa de estreia de Charles Burnett. Refiro-me à cena em que os personagens de Henry G. Sanders e Kaycee Moore, um par de silhuetas enlaçadas, dançam ao som de “This Bitter Earth” na voz de Dinah Washington. O vídeo encerra um elogio ao virtuosismo estético da cena, sendo ele também uma resposta a um artigo escrito por Sarah O’Brien sobre o mesmo filme. O texto, afirmam os críticos, representaria uma leitura recorrente – e não raro redutora – do cinema de Burnett. Ora, segundo avalia O’Brien, O Matador e Ovelhas é tributário de diversas matrizes “realistas”: ele seria uma variante do neorrealismo italiano, mas também uma criação observacional filiada ao cinéma vérité, sem deixar de ser ainda emblema do realismo cinematográfico de André Bazin. O que se perde de vista sob o aspecto do “realismo”, López e Martin argumentam, é o rebuscamento formal característico da obra do autor americano: “tudo nesta cena é expressivo, poético (em um sentido forte) e controlado por meio da intervenção da direção e de uma minuciosa (na verdade magistral) estilização”. Provocação semelhante já havia sido ensaiada por Martin em texto anterior, quando afirmou que tomar Burnett por “realista”, na prática, “serve frequentemente para substituir a análise de uma forma cinematográfica refinada por um elogio nebuloso aos meros ‘poderes de observação’ do autor”.
Decerto, a fortuna crítica de Burnett se acostumou a vinculá-lo a “realismos” vários. Seja “baziniano”, “neorealista”, “cinéma vérité”, ou “naturalista”, “realismo sutil”, “realismo negro urbano”, associações do tipo abundam em análises de sua obra. O recurso a atores não profissionais, a predileção pela luz natural e por filmagens em locação, e a atenção dirigida aos rituais cotidianos das comunidades negras de L.A. em seus filmes parecem justificá-las. E o próprio Burnett, em mais de uma ocasião, as reforçou. Na única oportunidade em que pude entrevistá-lo, quando de sua passagem por Manhattan em dezembro de 2018, ele esquivou-se quando observei que parte da crítica tende a negligenciar o apuro formal de seu cinema. Embora reconhecesse ter feito concessões a certas convenções da narrativa ficcional (enredo, motivação, conflito), “em O Matador de Ovelhas, por exemplo, eu quis dar aquele toque de documentário, apenas apontei a câmera e comecei a filmar”. Noutro momento da conversa, lembro-me da minha surpresa ao ouvi-lo explicar o fascínio exercido por O estudante de Praga (1926), clássico do expressionismo alemão escolhido por ele para uma sessão especial na sala de projeção do Light Industry na noite anterior: “O que me impressionou quando o assisti é que eu nunca antes tinha visto um filme de terror com atuações tão realistas. As atuações são realistas, as motivações dos personagens também. Quando o protagonista entra em choque porque ele não queria matar aquele homem, aquilo é muito real.”
Se Burnett encontra “realismo” na ostensiva estilização expressionista, este trabalho quer, inversamente, sondar o “estilista” encoberto no “realismo” tantas vezes associado ao seu cinema. Sem desmentir a raiz documentária de parte de sua obra, esta apresentação aborda o inegável esmero formal dos filmes do diretor, o seu sofisticado trabalho estético de esculpir imagens a partir dos materiais da vida cotidiana. Proponho portanto um esboço de apreciação estilística do cinema de Burnett. Um primeiro movimento consiste em revisar a literatura consagrada ao cineasta. Afinal, até que ponto é certo afirmar que a feição estética dos filmes de Burnett é subestimada? Num segundo momento, analisarei recorrências formais distintivas em sua obra. Alguns encaminhamentos iniciais são apresentar o que chamo de “poética da saturação espacial” e de “poética da digressão”; analisar o uso da canção popular e as escolhas compositivas a guiar a mise en scène dos filmes de Burnett
Bibliografia
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