Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas de Andrade Lima Britto (UERJ)

Minicurrículo

    Lucas Andrade é formado em Cinema pela UFF, tem mestrado de Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ e atualmente faz doutorado no mesmo programa. Varia suas atuações no audiovisual entre o ensino, ministrando cursos de montagem e oficinas de realização, e a prática cinematográfica, atuando como montador e como diretor. Em seus estudos acadêmicos, desenvolve uma pesquisa sobre a reclusão de liberdade no campo das artes visuais e do cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema brasileiro aborda a prisão

Formato

    Presencial

Resumo

    A comunicação analisa o potencial do cinema em abordar o cárcere, focando em obras brasileiras contemporâneas como “Carandiru” e “O prisioneiro da grade de ferro”. Trás para discussão também a divisão entre documentário e ficção, buscando identificar a construção de um audiovisual não autoritário e aponta para o cinema como meio de produzir uma leitura abolicionista do sistema prisional.

Resumo expandido

    A presente comunicação irá focar nos potenciais que o cinema dispõe para abordar o cárcere e em como ele foi retratado no cinema brasileiro contemporâneo, a partir de duas obras centrais na discussão do tema, os filmes Carandiru (2003), de Héctor Babenco, e O prisioneiro da grade de ferro (2004), de Paulo Sacramento. A escolha de focar nesses dois filmes se dá pelo fato de ambos abordarem o mesmo local, a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, a partir de tratamentos distintos de mise-en-scene. Mais especificamente, as obras se relacionam com a figura do médico da instituição.
    Em O Prisioneiro da Grade de Ferro, Dr. Drauzio Varella é um personagem real que desenvolve seu trabalho como médico na instituição. O filme se desenrola a partir da documentação dos presos com uma câmera que parece estar sempre atenta a mostrar, como se, paradoxalmente, a construção de uma imagem sobre aquele lugar construísse também a possibilidade de que ele deixasse de existir.
    Já em Carandiru, não só a ficção do médico que guia a narrativa do filme até o seu final se faz presente, mas também a dos apenados e de suas histórias de sobrevivência. Nesse sentido, é sob o sangue do massacre que os personagens falam o que aconteceu. Ao colocar os apenados para relatarem o dia do massacre, o filme parece demarcar o que será dito na cartela do final da obra e que é o que tenho buscado investigar: presos que contam sua versão da história. É a partir do relato de brutalidade do que viram no dia do massacre que os últimos 25 minutos do filme são narrados.
    Para além das aproximações temáticas, Carandiru e O prisioneiro da grade de ferro nos interessam por serem exemplares de dois diferentes regimes de imagem: a ficção e o documentário, respectivamente. A este respeito, resgato o que Jean Louis Comolli escreveu na introdução brasileira do livro Ver e Poder (2003): cinema seria a arte que acolhe a mise-en-scène do outro na do realizador, ou a toma(a mise-en-scène) como objeto para o próprio tratamento fílmico. A primeira definição é uma tática usada pelo documentário e a segunda, pela ficção.
    É, portanto, na crença no cinema enquanto uma arte que abarca aquele que está sendo filmado em seu processo que esse trabalho se faz, já que vejo na realização cinematográfica um lugar de disputa diferente do que se encontra em outras produções audiovisuais, com características que passam pelo tempo de realização da obra e pelo olhar que essas obras desenvolvem junto àqueles que filma.
    Não busco aqui fazer nenhuma afirmação totalizante do cinema nem negar outras maneiras de audiovisual, mas apostar na sétima arte enquanto meio de criação conjunta, a partir da hipótese de que sua particularidade está na possibilidade de acolher a mise-en-scène de quem está sendo filmado, através da contaminação do realizador ou da própria obra. Nesse sentido, as análises que farei baseiam-se nos potenciais dessa arte para pensar um engajamento na relação com o outro, no fato de ela se propor a estar/ouvir/conhecer (inclusive lados que as pessoas filmadas muitas vezes não conhecem sobre si) e na sua possibilidade de construção enquanto um processo de constante troca.
    Essa comunicação vê, então, no cinema um meio de utilizar a arte para produzir uma leitura abolicionista do espaço de reclusão, como contraponto às operações normatizantes presentes nas imagens de controle (sendo os programas televisivos e o jornalismo os maiores exemplos desse tipo de imagem). Faz essa aposta como um gesto de afirmação do cinema não autoritário, buscando valorizar seu potencial transformador e necessário frente às velhas injustiças sociais. O que procuro investigar, portanto, no cinema são filmes que tentam falar com alguém (em vez de “dar voz”), como possibilidade de democracia e de criação de espaços autônomos. Mas isso não se faz sem o dissenso, já que tal arte é coletivamente construída por diversas vozes presentes em seu processo de realização.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude (2003). Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras.

    COMOLLI, Jean-Louis (2003). Ver e Poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1985.

    COSTA, Pedro; NEYRAT, Cyril e RECTOR, Andy. Um merlo dourado, um ramo de flores, uma colher de prata – No quarto de Vanda – conversas com Pedro Costa. Lisboa: Mídia Filmes e Orfeu Negro, 2012.

    DARIN, Silvio. Espelho partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

    FERREIRA, Cristina dos Santos. Bricolagem e magia das imagens em
    movimento : o cinema de Moustapha Alassane. Natal: RN, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/13840. Acesso: 03. Jun. 2020.

    LABAKI, Amir (org.) A verdade de cada um. São Paulo: Cosac Naif, 2015.