Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Leticia Weber Jarek (Paris 3/UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutoranda em Cinema e Audiovisual nas universidades Sorbonne Nouvelle e Unicamp, mestre em estudos cinematográficos e audiovisuais pela Universidade Sorbonne Nouvelle (2021). Em 2022, organizou o colóquio internacional “L’acteur et la star comme anomalies”. Atuou como programadora e mediadora do Cineclube do Coletivo Atalante, realizado na Cinemateca de Curitiba (2014-2018). Publicou no livro “Cinemas de horror”, nas revistas “Hatari”, “O Mosaico” e “Critikat”.

Ficha do Trabalho

Título

    Barbara Stanwyck na janela: variações de um motivo no cinema clássico

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    Essa comunicação elege um conjunto de filmes, interpretados por Barbara Stanwyck, a fim de investigar as modalidades e funções do motivo da “mulher na janela” no cinema clássico. No decorrer de três décadas de produções hollywoodianas, examinaremos a progressão desse motivo, focando sobretudo nas suas potências reflexivas. Longe da passividade e da estagnação, interessa-me analisar recorrências que sublinhem o ponto de vista da personagem, assim como denunciem as demarcações sociais a limitam.

Resumo expandido

    A partir de uma seleção de filmes interpretados por Barbara Stanwyck, esta comunicação visa interrogar as variações do motivo da “mulher na janela” no cinema clássico hollywoodiano. Privilegiado pelo melodrama, esse motivo serve, na maior parte dos filmes, como uma lente que amplifica o caráter patético das cenas, ao passo que ele materializa na mise en scène momentos íntimos de pausa, de recolhimento doméstico e, sobretudo, da tão-frequente espera das heroínas melodramáticas. Para além do espectro da passividade e da domesticidade, esse motivo suscita também algumas interpretações centrífugas: ao invés de sublinhar a estabilidade cênica, a configuração limiar da janela pode convocar o movimento, a ação – deve-se cruzar a fronteira.

    Dentre as janelas mais emblemáticas do cinema clássico, encontramos muitas vezes uma mesma atriz: Barbara Stanwyck. Em filmes como Stella Dallas e Desejo Atroz, entre muitos outros, a atriz forja um traço característico de sua obra, o olhar distanciado (Viviani, p. 39) e a presença constante do motivo da janela. Na comparação entre diferentes sequências de filmes da atriz, nos quais a janela surge como uma figura central, interessa-me discutir aqui a reversibilidade desse motivo e sua potência reflexiva. No decorrer de três décadas de cinema clássico, observa-se a evolução de um pensamento formal e temática sobre “a mulher na janela”: quais fronteiras podem ser ultrapassadas por tais heroínas constantemente interpretadas por Stanwyck, como mães solos, mulheres marginais, garotas que vêm do outro lado dos trilhos? Cabe investigar as funções de separação e de ligação da janela que trabalham em prol de um regime simbólico (Doane, p. 178), na medida em que a janela concretiza, como elemento cênico, limitações sociais e de gênero.

    Ainda que alguns pesquisadores tenham denunciado brevemente a afinidade da atriz com esse motivo, como Ismail Xavier e Molly Haskell, associando o perfil rebelde de seus personagens, “em tensão com a ordem patriarcal” (XAVIER, p. 100), com a dupla moldura da janela, um exercício de mapeamento se faz necessário. Ao cotejar obras como A Flor dos Meus Sonhos (Capra, 1930), Serpente de Luxo (Green, 1933), Stella Dallas (Vidor 1937), Uma Vida Por Um Fio (Litvak, 1948), Casei-me Com Um Morto (Leisen, 1950), Desejo Atroz (Sirk, 1953) e Testemunha do Crime (Oswald, 1954), é possível vislumbrar um léxico mais abrangente de significações e usos formais dessa figura. De janelas que participam ativamente na construção do ponto de vista da protagonista (Capra), mesmo da expressão de sua sexualidade e suas ambições (Green), às janelas que remetem à arte cinematográfica (Vidor) ou mesmo que se transformam em fontes de violência e de agressão (Litvak), a recorrência desse motivo nos convida também a repensar suas variações em função da paisagem complexa de gêneros cinematográficos do cinema hollywoodiano. Contemplaremos, assim, os melodramas puros e duros dos anos 30, os filmes pre-code, o gênero do female gothic, assim como melodramas mais reflexivos, por vezes mais noirs e amargos, da década de 1950.

    Sobretudo, filmes como Desejo Atroz e Testemunha do Crime (uma versão feminina síncrona de Janela Indiscreta) trabalham a vertente externa da “mulher na janela” dentro de uma poética iminentemente crítica, própria dessa década crepuscular – no limiar da janela, as heroínas desses filmes parecem se perguntar se elas permanecerão apenas espectadoras ou se tornarão enfim atrizes dos dramas que assistem? Interessa-me, acima de tudo, examinar esse olhar externo à moldura da janela como um apelo crítico. Como sublinha Gérard Wajcman, a arquitetura só pode ser contemplada do exterior (p. 46). Logo, em uma filmografia povoada de olhares externos à casa, Barbara Stanwyck parece formular uma teoria do olhar feminino na Hollywood clássica, de suas possibilidades e limitações, se impondo não só como objeto do olhar, mas como uma das principais arquitetas que participaram na fundação desses filmes.

Bibliografia

    AMIEL Vincent. Naissances d’images: l’image dans l’image, des enluminures à la société des écrans. Paris: Klincksieck, 2018.

    BALLÒ Jordi e BERGALA Alain (dir.). Les motifs au cinéma. Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2019.

    BANU Georges. L’Homme de dos. Paris: Société Nouvelle Adam Biro, 2000.

    BOURGET Jean-Loup. Le mélodrame hollywoodien. Paris: Stock, 1985.

    DOANE Mary Ann. The Desire to Desire: The Woman’s Film of the 1940s. Indianapolis: Indiana University Press, 1987.

    STAM Robert. Reflexivity in film and literature: from Don Quixote to Jean-Luc Godard. NY: Columbia university press, 1992.

    VIVIANI Christian. « Stany ». Positif, n°349, maio de 1990, p. 39-40.

    WAJCMAN Gérard. Fenêtre: Chroniques du regard et de l’intime. Lagrasse: Editions Verdier, 2004.

    XAVIER Ismail. « Os excessos, a dupla moldura e a ironia do mestre do melodrama ». In GUIMARÃES Pedro Maciel e CARLOS, Cássio Starling. Douglas Sirk, o príncipe do melodrama. São Paulo: CCBB, 2012, p. 85-102.