Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Carolina Oliva Freire Pereira (UFMG)
Minicurrículo
- Bacharela em Som, Imagem e Movimento, com habilitação em Audiovisual pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Colaboradora no projeto de pesquisa Cinema das Comunidades (CFAC/UFSB) e integrante do Grupo de pesquisa (CNPq) Poéticas Ameríndias. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG, na Linha de pesquisa Pragmáticas da Imagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Montagem e imposições de realidade em “Mato Seco em Chamas”
Formato
- Presencial
Resumo
- Neste trabalho pretendemos apresentar algumas reflexões sobre como a montagem do filme “Mato Seco em Chamas” atua com a “imposição de realidade” sobre o corpo da atriz/personagem Lea na sequência de sua prisão. Atentos, sobretudo, ao movimento que a montagem realiza para restituir a fictivização que liberta a personagem do cárcere, trabalhando em um espaço de escritura e leitura fílmica, segundo uma perspectiva semiopragmática.
Resumo expandido
- Adirley Queirós é um cineasta brasileiro, morador da Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal, diretor de filmes premiados em festivais de cinema nacionais – como seu primeiro longa-metragem, A Cidade é uma Só? (2011), vencedor na categoria de Melhor Filme pelo Júri Oficial da 15ª Mostra de cinema de Tiradentes e do Forumdoc.bh 2012 –, e internacionais – tal qual Branco Sai, Preto Fica (2014), ganhador do prêmio de Melhor Filme na mostra Latino-Americana do Festival Internacional de Mar del Plata, na Argentina.
Destaque desde sua estreia com o curta-metragem “Rap, O Canto da Ceilândia” (2005), Queirós seguiu fazendo filmes que inventam formas cinematográficas indissociáveis dos seus processos colaborativos coletivos de criação, com atores e atrizes não profissionais, capazes de mobilizar “novas figuras de comunidade” (ALVARENGA, 2006) e suscitar reflexões acerca do cinema em direção a uma dimensão da alteridade e da “singularidade” (GUIMARÃES, 2006).
Sua mais recente obra, “Mato Seco em Chamas” (2022), dirigida em parceria com a fotógrafa portuguesa Joana Pimenta, narra a história das personagens ficcionais Chitara, a “rainha da kebrada”, sua irmã, Lea, e Andreia, que levam o mesmo nome das atrizes que as interpretam. No filme, a tríade de mulheres encontra e comercializa clandestinamente petróleo no bairro Sol Nascente, mote ficcional oriundo da aposta de Queirós naquilo que Gilles Deleuze chamaria de função fabuladora, incentivando que as atrizes não profissionais se proponham a “ficcionar” e inventar personagens de si à medida que estas “tornam-se tão mais reais do que melhor inventaram” (DELEUZE, 2018).
Guardadas as diferenças em relação às obras anteriores, como a escolha de um protagonismo exclusivamente feminino, o filme, tal como vemos em seus antecessores, segue experimentando o entrelaçamento entre documentário e ficção, deslocando o lugar do espectador, perdendo-o em “um labirinto de engodos e efeitos contraditórios” e brincando com seu desejo por uma coisa e seu contrário, “para melhor conquistá-lo” (COMOLLI, 2008). Especialmente se considerarmos que a montagem opta por lidar com “imposições de realidade” (COMOLLI, 2008), mesmo no processo de criação de uma ficção científica, que lhe reservaria a possibilidade de ignorar tais imposições.
Neste sentido, buscaremos apresentar algumas reflexões sobre como a montagem do filme “Mato Seco em Chamas” atua com a “imposição da realidade” sobre o corpo da atriz/personagem Lea, na sequência de sua prisão, impedindo-a de fabular. Atentos, sobretudo, ao movimento que a montagem realiza para restituir a “fictivização” que liberta a personagem do cárcere, já que conversas com o cineasta permitem intuir que terminar o filme com o fato documental parecia inviável. Pois, assim como Eduardo Coutinho, Adirley Queirós preza pelo compromisso moral de ser fiel, na montagem, “à dignidade da pessoa, ao personagem de si que ela criou” (COUTINHO, 1999), operação naturalmente incompatível com a melancolia que resultaria terminar o filme com a imagem de Lea presa.
Se vamos tratar de realizações que entrelaçam documentário e ficção, não podemos ignorar, antes de tudo, a dificuldade de se estabelecer fronteiras bem definidas para diferenciação de ambos. Logo, é necessário não nos debruçarmos sobre a “realidade”, mas sim sobre a imagem do “Enunciador” (ODIN, 2012). Por isso, para a realização da análise fílmica da sequência escolhida temos como principal direção uma abordagem semiopragmática: No primeiro nível de análise, descreveremos e investigaremos as diferentes operações de montagem e suas instruções para realização da leitura fílmica “fictivizante” e/ou “documentarizante” (ODIN, 2012) inscrita na estrutura do filme, em uma perspectiva de construção de sentido. Já em um posicionamento do leitor face ao filme, em uma operação pragmática, nos atentaremos às determinações contextuais e ligações entre os contextos do filme e do espectador/leitor.
Bibliografia
- ALVARENGA, Clarisse Castro. Comunidades por vir e imagens periféricas. Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, 3 (1), p. 166-179, 2006.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
COUTINHO, Eduardo. Fé na Lucidez. Revista Sinopse, São Paulo, n.3, p. 20-29, dez., 1999.
DELEUZE, Gilles. As potências do falso. In: ______. Cinema 2: A imagem-tempo. São Paulo: Editora 34, 2018. p. 185-125.
GUIMARÃES, César. A singularidade como figura lógica e estética no documentário. Revista Alceu, Rio de Janeiro, v.7, n.13, p. 38-48, jul./dez., 2006.Paulo: Editora 34, 2018. p. 185-125.
ODIN, Roger. Filme documentário, leitura documentarizante. Significação: Revista de Cultura Audiovisual. São Paulo, n. 37, p. 12-29, 2012.