Ficha do Proponente
Proponente
- ana rosa marques (UFRB)
Minicurrículo
- Ana Rosa Marques é professora do curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão. É realizadora audiovisual e curadora. Foi uma das coordenadoras do ST de Montagem da Socine (2020-2022).
Ficha do Trabalho
Título
- Pensamento em montagem
Mesa
- Montagem entre gestos e ferramentas
Formato
- Presencial
Resumo
- O cinema ensaio tem na montagem uma ferramenta fundamental para a produção de pensamento. Ao mesmo tempo que constrói/desconstrói sentidos e significados com e nas imagens, a montagem revela o processo de elaboração das ideias, o que a torna também um importante elemento de expressão da subjetividade do cineasta. A partir de exemplos de curtas metragens brasileiros, procuro demonstrar alguns modos da montagem pensar seja entre imagens, entre imagem e palavra, entre materiais heterogêneos.
Resumo expandido
- Muito frequentemente o cinema ensaio é definido como uma prática audiovisual do pensamento. Filmes ensaísticos buscam tecer ideias, ao mesmo tempo que refletem sobre esse próprio pensar. Para isso a montagem é uma ferramenta fundamental. Nesse trabalho, buscarei apresentar e analisar algumas formas de pensamento com a montagem a partir de exemplos de curtas metragens ensaísticos brasileiros.
Diferentemente de um discurso científico, o ensaio não reivindica um ideal de verdade, ele busca se aproximar de um determinado fenômeno fazendo conjecturas, a partir de uma perspectiva própria, assumida por um sujeito situado em um determinado tempo e lugar. Para Timothy Corrigan (2015) é justamente a consciência da reflexão que distingue o ensaio de outras atividades mentais. A montagem é uma peça chave para revelar essa subjetividade pensante e buscar formas que expressem a construção de um pensamento. Um processo que intercruza o olhar o mundo e o olhar para sua própria mirada, o evento histórico e o registro audiovisual, o que se filma e aquele que filma. Por conta da não linearidade das ideias, da constante heterogeneidade de materiais (imagens, palavras, sons, de diversas origens, fontes, períodos), a montagem apresenta uma estrutura fragmentada, repleta de circularidades, associações, digressões, indagações e dúvidas. Esses desvios, brechas e lacunas não significam uma falta de sentido, mas uma busca por sentido (s) a ser empreendida também pelo espectador. O ensaio é assim, como diz Adriana Bellamy (2023), uma arte do conversar.
O pensamento muitas vezes envolve também a problematização do papel representativo da imagem. A imagem não é uma reprodução neutra da realidade, ela é um recorte, um ponto de vista. A imagem carrega e ativa uma memória, é uma rede tecida por várias camadas de tempos heterogêneos e descontínuos, afirma Didi-Huberman (2016). Portanto, no ensaio, a imagem é um objeto a ser investigado e analisado. Dessa maneira, é preciso desnaturalizar a imagem, criar uma distância e assim retornar a vê-la, acredita Antonio Weinrichter López (2015). Há diversas formas que a montagem tem para estabelecer essa distância. Uma delas é interferindo na própria imagem, com o uso de paradas, repetições, sobreposições, fusões, variações de velocidade, paralelismos, mas também na articulação com a palavra (escrita ou falada), sons e o uso de imagens alheias. No entanto, observa López, não basta manipular e tirar uma imagem de seu contexto original para empreender um gesto crítico. Videoclipes e documentários de compilação usam essas estratégias, mas principalmente com o objetivo de entreter ou ilustrar um discurso. O ensaio exige uma tomada de posição em relação às imagens.
Assim, a montagem é um espaço crucial tanto para realizar a investigação dos tempos, olhares e outras operações em jogo envolvidas na imagem, quanto para forjar novas possibilidades de ver. Pela desmontagem das imagens, o cineasta observa significados ocultos ou latentes contidos nelas. Na remontagem coloca as imagens em relação, estabelecendo pontes, contrastes, ressonâncias, e assim tensiona ou liberta a imagem dos significados já impregnados pela cultura ou história e cria outros.
A reflexão teórica sobre o ensaio frequentemente se centra em longa metragens de cineastas estrangeiros já consagrados, como Godard. No entanto, verificamos que no Brasil há uma crescente produção no campo e diante da escassez de estudos voltados para o curta, elegemos o formato para nossa análise. A partir da fundamentação teórica sobre o cinema ensaio e inspirada no procedimento analítico praticado por Didi-Huberman em desmontar e remontar obras artísticas, discutirei algumas obras para identificar o gesto crítico operado pela montagem. Quais são os significados originais contidos nos materiais trabalhados, como são relacionados a outros e ressignificados pela montagem? Que formas são criadas na construção do pensamento?
Bibliografia
- BELLAMY, A. El cine como ensayo: entre lo literário y lo fílmico. Universidad Autônoma de México, 2023.
CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.
LÓPEZ, A.W. Um conceito fugidio. Notas sobre o filme-ensaio. In: TEIXEIRA, F.E. O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. São Paulo: Hucitec, 2015. Pp 42-91.
Didi-Huberman, G. Remontar, remontagem (do tempo). Caderno de Leituras, Belo Horizonte, n. 47, jul. 2016. Disponível em http://chaodafeira.com/wp-content/uploads/2016/07/cad47.pdf