Ficha do Proponente
Proponente
- Simplicio Neto Ramos de Sousa (ESPM-Rio)
Minicurrículo
- Diretor e Roteirista de documentários como “Onde a Coruja Dorme” e “Carioca era um Rio”. Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, Mestre e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFF. Pesquisa o realismo no cinema brasileiro. Foi Professor Substituto no Dep. de Cinema e Video da UFF, de 2008 a 2010. Hoje é Professor Assistente I do Curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio. Curador e Editor de Catálogo de Mostras nos CCBBs, como “Cineastas e Imagens do Povo” e “Os múltiplos lugares de Roberto Farias”
Ficha do Trabalho
Título
- Análise da Adaptação de “Selva Trágica”, por Roberto Farias
Formato
- Presencial
Resumo
- Queremos propor uma análise imanente da estrutura narrativa cinematográfica do filme Selva Trágica (19630,) do cineasta fluminense Roberto Farias, adaptação do romance homônimo de Hernâni Donato, escritor sul-mato-grossense. Com foco na transposição de recursos técnico-narrativos e na reconfiguração do espaço-tempo, do cronotopo/motivo da fronteira, e dos conflitos dramáticos, de uma obra a outra, no contraste entre suas diferentes escolhas formais/autorais.
Resumo expandido
- O Livro Selva Trágica (1963) acumula Fortuna Crítica, em que se destaca sua representação do complexo sociocultural e econômico da fronteira Brasil-Paraguai. O filme, como a obra de seu diretor, vive um processo de reconhecimento, no qual estivemos envolvidos desde a organização do catálogo da Mostra Os Múltiplos Lugares de Roberto Farias no CCBB em 2012. Começa aí uma pesquisa que, ao se deparar com a interlocução entre Roberto Farias e seus pares do Cinema Novo, pode se aprofundar no entendimento da discussão realista sobre a representação da paisagem brasileira para nossos cineastas. Nossa tese de doutoramento, de 2014, tratou então do debate sobre o realismo, numa Teoria dos Cineastas, entre nós. O material de divulgação da Herbert Richers, produtora do filme, diz em 1963 que a Selva Trágica de Farias revelará “essa realidade amarga e triste dos plantadores de erva-mate, nos confins do Mato Grosso, região inexplorada pelo cinema”, pouco tempo depois da literatura de Hernâni Donato, “cujo livro com o mesmo título inspirou Roberto Farias para o melhor filme de sua carreira.”. Poucos anos antes, Farias escreve a Glauber Rocha, antes também de seu Deus e O Diabo na Terra do Sol, que junto com Selva Trágica, Vidas Secas (N.P.Santos) e Os Fuzis (Ruy Guerra), todos lançados entre 1963-64, compõem a “fase rural” do Cinema Novo, aclamada pela crítica mundial. Descobrimos na carta o interesse de Glauber em registrar nossa paisagem interiorana e seus conflitos, nos moldes da aclimatação local do Western americano, veio aberto por O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto, o dito Nordestern, alcunha do filme de cangaço dada por Salvyano Cavalcanti de Paiva, que era do gosto de Glauber. (ROCHA, 2003). Rocha já elogiava no Western a busca pela “paisagem inexplorada”, vem daí o “região inexplorada pelo cinema” tão destacado no lançamento de Selva? (ROCHA, 1985). Comentando as ressalvas de Glauber às questões de representatividade nordestina do Nordestern, até então filmando em terras sudestinas, Farias escreve: “Não se preocupe, não penso em fazer filme de cangaço em outro local que não seja o Nordeste. E quero filmar cangaço”. (BENTES, 1997, pp. 147-49). Transparece aí o interesse pelo conflito rural, tema já caro aos romances regionalistas, contudo há também aqui a vontade de fugir do “filme de cangaço”, talvez buscar outros lugares e dramas pelo país, para criar filmes de ação e de denúncia social, o que deu na adaptação de Donato. Outras terras, mais conflitos. Serão os deslocamentos narrativos e estéticos dessa adaptação de Farias que mais nos interessam. Focaremos na análise imanente de ambas as obras, livro e filme. Nos moldes dos esforços de cotejo e paralelismo cinema-literatura de François Vanoye em Récit écrit, récit filmique, sobre os pontos de contraste entre as versões fílmica e literária de Um dia no Campo, conto de Maupassant e filme de Jean Renoir (VANOYE, 1989). É também de especial interesse para nossa análise, que, em se tratando de filme e livro, segundo Randal Johnson, ambos os meios “usam e distorcem o tempo e o espaço”, por exemplo (JOHNSON, 1982, p. 29). Buscaremos o contraste cronologia e narração, a dicotomia “fábula e syuzhet” dos formalistas russos (Tomachevski, Bakhtin), ou “Histoire e Discours” dos Estruturalistas (Genette, Todorov), analisaremos tanto as formas de reelaboração do conflito dramático e da ação dos personagens de uma obra a outra (PALLOTTINI, 1989), como também a reconfiguração da estrutura narrativa proposta em ambos, na tradição dos estudos narratológicos (TODOROV, 1974). Partimos enfim da conceituação presente no texto ‘As formas de tempo e de cronotopo no romance’ de Mikhail Bakhtin (2014,p.211-362), a fim de verificar as variações do cronotopo deslocadas, ou subtraídas ou mesmo adicionadas originalmente nessa adaptação.
Bibliografia
- AUMONT, J.; MARIE, M.. A Análise do Filme. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2004
BAKHTIN, M. As formas de tempo e de cronotopo no romance In. Questões de literatura e de estética:a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 2014
BENTES, I. (org.). Glauber Rocha:cartas ao mundo. SP: Cia das Letras, 1997.
DONATO, Hernâni. Selva Trágica: A gesta ervateira no sulestematogrossense. São
Paulo: Autores Reunidos, 1959.
JOHNSON, Randal. Literatura e cinema. Macunaíma: do modernismo na literatura ao
cinema novo. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982
PALLOTTINI, R. Dramaturgia: construção do personagem. São Paulo, Ática, 1989
ROCHA, Glauber.O século do cinema. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985.
______________.Revisão crítica do cinema brasileiro. SP. Cosac & Naif. 2003.
______________. Revolução do cinema novo. São Paulo. Cosac & Naif. 2004.
TODOROV, T. Estruturalismo e Poética. São Paulo, Cultrix, 1976
VANOYE, Francis. Récit écrit, récit filmique Paris: Nathan, 1989