Ficha do Proponente
Proponente
- Giordano Dexheimer Gil (UFRGS)
Minicurrículo
- GIORDANO GIO é cineasta, roteirista e historiador da arte. Formado pelo Curso de Realização Audiovisual (CRAV), da UNISINOS e em História da Arte pelo Instituto de Artes, da UFRGS, onde também realizou mestrado e, atualmente, cursa o doutorado em História, Teoria e Crítica de Arte, desenvolvendo pesquisas sobre história do cinema, artes e ocultismo, modernidade e cinema fantástico. Sócio-fundador da Fehorama Filmes.
Ficha do Trabalho
Título
- O Cineasta enquanto Mágico e Mago: Shyamalan, Scorsese, Spielberg.
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Através da imagem do cineasta enquanto mago ou mágico, o fazedor de cinema enquanto ocultista e ilusionista, manipulador do insólito, pensaremos a invocação deste espectro de modernidade em três filmes hollywoodianos recentes: “Tempo”, de M. Night Shyamalan; “Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese; e “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg.
Resumo expandido
- Na tradição da cartomancia, a figura do Mágico, arcano de nº I, apresenta-se como uma síntese entre o feiticeiro e o trambiqueiro, como uma entidade mercurial associada à comunicação, à linguagem, cumprindo a função de conduíte entre mundos espirituais e físicos, virtuais e reais, função que, em minha pesquisa, atribuo diretamente à figura do cineasta.
Em “Tempo”, de M. Night Shyamalan, realizado durante o período da pandemia Covid-19, alguns turistas são levados para uma praia paradisíaca próxima a um resort de luxo. Lá, são surpreendidos com uma absurda aceleração dos processos celulares e biológicos de seus corpos. Crianças se tornam adultos, adultos se tornam idosos, numa corrida em direção a uma morte aparentemente inevitável. Shyamalan, cuja prática recorrente de escalar-se em pequenos papeis em seus filmes é diretamente herdada de Hitchcock, dá a si mesmo o papel do motorista que carrega os hóspedes até a fatídica praia, e no clímax, o filme corta para seu personagem, ao lado de uma câmera, filmando a angústia mortal dos hóspedes
“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese, aborda frontalmente os inúmeros assassinatos que marcaram a história do povo Osage visando a apropriação das terras ricas em petróleo descobertas pelos nativos em Oklahoma no início do século XX. Nos minutos finais, quebra-se a imersão ao ouvirmos sobre os desdobramentos posteriores dos eventos representados através dos bastidores de uma novela radiofônica, ao estilo “true crime”, hoje uma tendência extremamente popular em streamings e podcasts. Uma figura vivida pelo próprio Martin Scorsese toma o microfone e quebra a quarta parede ao refletir sobre o legado desse evento, sobre a exploração midiática do trauma alheio, e sobre seu lugar enquanto condutor dessa estória no filme que acabamos de assistir.
“Os Fabelmans”, de Steven Spielberg, apresenta-se como uma obra explicitamente autobiográfica, e conta com a imagem que o espectador já possui do homem que fabrica a realidade que se apresenta na tela, e também com a memória deste mesmo espectador da coleção de imagens que o cineasta já produziu ao longo de mais de 50 anos de carreira. Spielberg, diferente de Shyamalan e Scorsese, não tem o costume de escalar a si mesmo em pontas significativas na frente das câmeras. Suas raras aparições registradas são figurações sutilmente posicionadas no fundo da ação. Neste filme, Spielberg cria duplos de si, suas versões criança e adolescente, e propõe que o espectador o projete nessas figuras. Num momento crucial do filme, o anúncio do divórcio dos pais, o jovem Sam – o duplo adolescente do cineasta – projeta um duplo do duplo, um reflexo rebelde que não se origina de um objeto real, mas da imagem mental do jovem imaginando a si mesmo filmando a situação. Enquanto o garoto testemunha e reage à cena, vemos no reflexo do espelho da sala uma versão sua empunhando uma câmera transitando, enquadrando sua família. E essa não é a única invocação do espectro do Mágico neste filme. Nos momentos derradeiros, o anedótico encontro de Spielberg com seu ídolo, o cineasta John Ford, é ficcionalizado. No papel de Ford, o diretor escolheu não um ator reconhecido por seus méritos de atuação, mas David Lynch, um cineasta contemporâneo, nascido no mesmo ano que o próprio Spielberg, e cuja silhueta folclórica e persona mística transcende os limites de suas obras, marcadas por surrealismo e metalinguagem. Nessa escolha de escalação, constitui-se mais um ingrediente de sua poção fílmica, de seu ritual mnemônico em forma de película.
Cada um deles – Shyamalan, Scorsese, Spielberg – invoca esse espectro de modernidade – O mágico ou mago, o ilusionista ou o ocultista que faz de si um receptáculo de poderes extra terrenos, com intenções marcadamente diferentes, mas os três, a exemplo do que diz outro mago-cineasta, Alejandro Jodorowsky, sobre o arcano de número 1, trabalham a luz e a sombra, fazendo um malabarismo de si, que vai do inconsciente ao supra-consciente.
Bibliografia
- ANDRIOPOULOS, Stefan. Aparições Espectrais: O Idealismo Alemão, o Romance Gótico e a Mídia Óptica. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014.
BENJAMIN, Walter. A Modernidade e os Modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000
ELIADE, Mircea. O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas de Êxtase. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
EPSTEIN, Jean. “O cinema do diabo”, IN: A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003
JODOROWSKY, Alejandro. O Caminho do Tarot. São Paulo: Chave, 2016.
KITTLER, Firedrich. Mídias Ópticas: Curso em Berlim, 1999. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.
LAMONT, Peter. Crenças Extraordinárias: Uma Abordagem Histórica de um Problema Psicológico. São Paulo: Editora UNESP, 2017.
MICHAUD, Phillippe-Alain. Filme: Por uma Teoria Expandida do Cinema. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014.
MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. São Paulo: É Realizações, 2009