Ficha do Proponente
Proponente
- Nuno Camilo Balduce Lindoso (UFF)
Minicurrículo
- Graduado em Ciências Sociais (UFAL) e Mestre em Antropologia Social (UFAL), ministra cursos e oficinas de Cinema e atua como roteirista e realizador audiovisual desde 2014. Desde a graduação passou a investigar a relação entre cinema, cultura e sociedade a partir de uma perspectiva antropologica. Atualmente é doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense.
Ficha do Trabalho
Título
- Boris Barnet: Um rebelde na indústria cinematográfica soviética
Formato
- Presencial
Resumo
- Esse trabalho visa discutir a trajetória fílmica do diretor Boris Barnet (1902-1965) de forma a compreender como, ao longo da carreira, o realizador russo-soviético combinou de maneira eficiente e criativa o melodrama com a propaganda do regime socialista, estabelecendo marcas autorais em suas obras, num contexto de forte censura e controle da produção nos estúdios de cinema da URSS na primeira metade do século XX.
Resumo expandido
- Boris Barnet é, hoje, considerado um dos mais importantes, porém menos conhecidos, cineastas soviéticos da primeira metade do século XX (CHRISTIE, TAYLOR, 1994). Dirigiu quase ininterruptamente entre as décadas de 1920 e 1960, iniciando a carreira desde os anos de maior liberdade propiciada pela Nova Política Econômica (NEP), passando pelos anos turbulentos do stalinismo, a invasão nazista até os anos de degelo político após a morte de Stálin. Entre a NEP e o Degelo, Barnet produziu comédias, thrillers, melodramas e filmes de guerra, alguns deles censurados, parcial ou integralmente, pelo regime e lançados apenas na Perestroika. Ao contrário de contemporâneos vanguardistas, como Dziga Vertov, Sergei Eisenstein e Lev Kuleshov, que apresentaram uma crise criativa na transferência do cinema silencioso para o cinema sonoro, devido mais às retaliações e censura estatais do que à adaptação à nova tecnologia, Barnet produziu filmes importantes e de repercussão internacional, demonstrando habilidade em se adaptar às mudanças tecnológicas (som e cor), estéticas (vanguarda e realismo socialista) e políticas (centralização dos estúdios e a censura estatal). Ao longo de mais de quarenta anos de carreira, conseguiu dirigir de maneira ininterrupta e, por isso, sua trajetória é um importante elo entre a geração de cineastas dos anos de 1920 e a geração de 1960 ao ter começado a carreira como aluno de Kuleshov e posteriormente ter se tornado professor do prestigioso Instituto de Cinematografia Gerasimov (VGIK) nos anos que a geração de Tarkovsky e Iosseliani iniciavam sua formação na instituição. Devido as transformações ocorridas no cinema soviético entre as décadas de 1920 e 1960, os filmes de Barnet se diferenciam na forma e no conteúdo em cada período que trabalhou. Uso de uma montagem ágil, com sucessões de planos fechados com personagens cômicos em situações dramáticas são características de seus filmes silenciosos, trazendo ação para comédias no estilo Buster Keaton. Já em seus filmes sonoros, é ausente uma montagem em descontinuidade (Eisenstein, Vertov), longos planos-sequências contemplativos (Tarkovsky) ou ausência de profundidade focal (Parajanov) em favor de seu impacto dramático e linearidade narrativa. Porém, apesar de incorporar a montagem em continuidade, a linearidade narrativa, o som sincronizado e atuações realistas, seus filmes nunca representavam o ideal de cinema soviético dos estúdios (GRAFFY, 2016; KENEZ, 2001). No auge das comédias musicais sobre fazendas coletivas (kholkoz), Barnet filmou O Velho Jóquei (1940) preferindo cenas dos camponeses em momento de lazer e descontração do que representando a eficiência do trabalho mecanizado nos kholkozes. Já seus filmes feitos durante a Segunda Guerra Mundial reforçam essa inadequação: no momento em que o uso de profundidade de campo, cenários grandiosos, numerosos extras eram características do cinema bélico stalinista, Barnet filmou Novgorodtsy (1943) e Uma noite (1944) usando cenários mais intimistas para representar dramas de pessoas comuns durante o conflito, em vez das grandes batalhas ou feitos extraordinários. Portanto, Barnet foi um diretor que trabalhou transpondo limites, seja dos gêneros ou da censura estatal, com seus filmes nunca sendo um exemplo perfeito de um período, de um movimento, de um gênero ou de uma estética específica, ainda que mantenha relações com eles, não se encaixando completamente às regras impostas pelos estúdios soviéticos e distante do personalismo estético de cineastas como Eisenstein e Vertov. Por tanto, a obra de Boris Barnet, revelam um realizador rebelde, que, apesar de não se opor completamente aos ditames da indústria cinematográfica, foi capaz de trabalhar de maneira criativa e habilidosa nas fronteiras entre a encomenda estatal e autonomia artística, se moldando parcialmente às demandas e regras impostas pelo campo cinematográfico.
Bibliografia
- BELODUBROVSKAYA, M. Not According to Plan: Filmmaking under Stalin. Ithaca: Cornell University, 2017.
BO, J. L. Cinema para russos, cinema para soviéticos. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.
BORDIEU, P. Campo intelectual e projeto criador. In: POUILLON, J. (org.). Problemas do estruturalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
CHRISTIE, I.; TAYLOR, R. The Film Factory: Russian and Soviet Cinema in Documents 1896-1939. New York: Routledge, 1994.
EISENSCHITZ, B. A fickle man, or portrait of Boris Barnet as a Soviet director. In: TAYLOR, R.; CHRISTIE, I. (org.). Inside the Film Factory: New approaches to Russian and Soviet cinema. London & New York: Routledge, 1991.
GRAFFY, J. Boris Barnet: “This doubly accursed cinema”. In: BEUMERS, B. (orgs.). A Companion to Russian Cinema. Chichester: John Wiley & Sons, 2016.
KENEZ, Peter. Cinema and Soviet Society from the Revolution to the Death of Stalin. New York: I.B.Tauris, 2001.