Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo Brandão Pinto (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Mestre em Artes da Cena, ambos pela UFRJ. Bacharel em Cinema pela UFF. Pesquisador e realizador audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema contemporâneo e psicanálise: por um olhar não-fálico

Formato

    Presencial

Resumo

    Tento aproximar cinema e psicanálise, interrogando como os cinemas contemporâneos propõem uma nova economia libidinal na relação entre olhar e imagem. Tomando No quarto da Vanda (Pedro Costa, 2000) e Os idiotas (Lars Von Trier, 1998), aponto como ambos clamam pela invenção de novos modos pelos quais o corpo possa se engajar no mundo. Isso supõe um sujeito cujas promessas de gozo sejam combinadas com a liberdade do objeto, o que chamaremos, a partir de Safatle e Lacan, um olhar não-fálico.

Resumo expandido

    Esta apresentação propõe um caminho de aproximação entre cinema e psicanálise, crendo que essa conexão provoca deslocamentos nos dois campos de saberes. Não se trata de analisar personagens, cineastas ou espectadores a partir do conhecimento constituído na psicanálise, mas de reconhecer o cinema como um mecanismo de produção de gozo. De maneira mais concreta, nosso problema consiste em interrogar o que haveria em comum em duas das mais representativas tendências estéticas do cinema contemporâneo – o cinema de lentidão (Kiarostami, Gus van Sant, Pedro Costa) e o ‘hiperrealismo’ (Dogma 95, irmãos Dardenne). A hipótese é de que coexiste em ambas a tentativa de fazer emergir uma nova economia libidinal na relação entre espectador e filme, na qual a conexão entre o olhar e imagem é forçada a dar-se em simultaneidade à ruptura entre o sujeito e o mundo sensível.
    Tomaremos como exemplos paradigmáticos dois filmes – No quarto da Vanda (Pedro Costa, 2000) e Os idiotas (Lars Von Trier, 1999), apontando que ambos, já em suas propostas narrativas, colocam em cena personagens que inventam maneiras improváveis de engajar o corpo no mundo: uma mulher viciada em heroína e quase confinada ao cubículo do quarto; e um grupo de pessoas que performa publicamente situações vexatórias e doentias. Em suas propostas estéticas, o primeiro radicaliza a lentidão, a imobilidade do quadro, explorações do vazio e do silêncio, enquanto o segundo, sob o ditame do movimento Dogma 95, maneja a câmera na mão e o aspecto cru da encanação e da montagem, como formas de experimentação de novos caminhos pelos quais o espectador pode extrair do filme alguma forma de satisfação, atravessada por tédios, ascos, estranhamentos.
    Com essa proposta, gostaríamos de nos distanciar dos autores que, ao aproximarem cinema e psicanálise, identificaram o primeiro como a repetição de formas socialmente hegemônicas de circulação de sentido e de prazer. É o caso, por exemplo, de alguns dos egressos da escola eslovena de psicanálise e filosofia – Salvoj Zizek, Mladen Dolar, Miran Bozovic – para quem a obra cinematográfica seria um baú de sintomas coletivos, enfrentados pelas formas de subjetividade no capitalismo contemporâneo, cabendo às obras, na melhor das hipóteses, introduzir uma autoconsciência desses sintomas em suas próprias imagens, de modo a se constituir como o desvelamento de uma crítica.
    Ao contrário, queremos afirmar que o cinema produz formas de relação entre sujeito e mundo sensível, que inexistem nas experiências coletivas ordinárias. Se a imagem ocupa o lugar de objeto na relação com o espectador, ela ativa uma condição fundamental dessa categoria: sua insubmissão ao sujeito, que não mais encontrará nela um suporte para satisfação de suas demandas cognitivas e libidinais. O cinema, então, mais do que uma forma de inferir críticas ou adesões, aparece como um mecanismo de invenção de novas estruturas desejantes, fazendo surgir no horizonte aquilo que Vladimir Safatle, a partir de Jacques Lacan, designou como “uma forma de gozo não-fálico” (2020). Os filmes citados incitam a formação de um olhar ‘não-fálico’, que forma acoplamento com a imagem mesmo quando ela já não se conforma às suas expectativas de satisfação, pois, como disse Pedro Costa em entrevista, “o espectador somente poderá ver um filme, se alguma coisa na tela resistir a ele”. Isso quer dizer que o espectador da obra não é um sujeito ao qual a imagem se dirige ou se endereça, mas uma categoria ainda inexistente que ela, a imagem, tenta fazer emergir: um sujeito que seja capaz de se engajar e se expandir com – e não contra – a latência da liberdade do objeto.

Bibliografia

    Costa, P. “A closed door that leaves us guessing.” Rouge, n. 10. Disponível em: http://rouge.com.au/10/costa_seminar.html.
    Lacan, J. O Seminário – Livro 20. Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
    Safatle, V. Maneiras de Transformar Mundos. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.