Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Tarabay (UFBA)

Minicurrículo

    É distribuidora, comunicadora e pesquisadora. Faz mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea do Póscom/UFBA com pesquisa na área da recepção audiovisual. Trabalha com distribuição audiovisual desde 2016 e é uma das fundadoras da Fistaile, empresa de consultoria de distribuição, curadoria e desenho de audiência.

Ficha do Trabalho

Título

    Ingressos esgotados, salas vazias e silenciamento das reais audiências

Seminário

    Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil.

Formato

    Presencial

Resumo

    O lançamento de O Som do Silêncio teve a distribuição gratuita de milhares de ingressos de cinema. O filme registrou mais de 240 mil espectadores na estreia brasileira, houveram relatos de salas vazias. Dois anos antes, Cabeça de Nêgo foi visto por 3.000 pessoas num projeto de exibição extra-cinema. Essa audiência está fora das métricas oficiais. Os casos abrem uma reflexão sobre novas perspectivas para se pensar audiências e o modo como legitimamos a performance dos filmes no Brasil.

Resumo expandido

    Dudley Andrew fala da necessidade de um olhar aprofundado a respeito das cartografias. Sejam novas ou antigas, apesar de terem utilidade, “são desenhadas para nos mostrar a superfície e, em geral, não são capazes de representar o que há por baixo” (ANDREW, 2013, p. 48). O trabalho proposto é um convite a olhar o que há por baixo de alguns dados de bilheteria coletados ou ignorados nos últimos anos pelos órgãos oficiais.

    O filme O Som do Silêncio (Paris Filmes, 2023) teve em sua estratégia de lançamento no Brasil a distribuição gratuita de milhares de ingressos de cinema pelos sites da produtora e da distribuidora. Apesar de os dados oficiais da Ancine apresentarem mais de 240 mil espectadores em sua estreia, houve relatos de salas vazias, exibições com ingressos esgotados, mas poucas pessoas assistindo ao filme. Dois anos antes, em outubro de 2021, o longa cearense Cabeça de Nêgo (Corte Seco Filmes, 2021) foi visto por cerca de 3.000 pessoas, no período de um mês, por meio da Chuvisco, projeto de exibição extra-cinema. Nenhuma das audiências da Chuvisco está nas métricas oficiais. Os dois casos são o ponto de partida para uma reflexão sobre novas perspectivas para pensar audiências, coleta e análise de dados de performance. Em última instância, propõe-se tensionar o modelo com que se legitima sucesso no cinema brasileiro. Também questiona-se a expressão formação de público e aponta para a demanda em adotar novas formas de métricas.

    O artigo introduz brevemente algumas perspectivas acerca do papel do espectador nos estudos da comunicação e analisa a tendência da indústria audiovisual em definir audiência como consumidor. Como exemplo prático que comprova a importância das métricas de audiência na seleção de que filmes são desenvolvidos, produzidos e distribuídos, a Chamada Pública BRDE/FSA Cinema: Desempenho Comercial. As diferentes estratégias adotadas na distribuição de O Som do Silêncio e Cabeça de Nêgo, demonstram a imprecisão que há nos dados oficiais. No caso da produção estadunidense a contabilização inflada de audiências que nunca compareceram às salas de cinema para ver o filme. Como contraponto há a invisibilização de milhares de pessoas que assistiram à obra cearense por meio da Chuvisco, projeto desenvolvido pela Corte Seco em parceria com a Fistaile, empresa consultora de distribuição da qual sou co-fundadora. Tenho portanto uma relação pessoal com a empresa e com o processo de distribuição aqui descrito. A Chuvisco é uma rede de agentes educacionais que organizou sessões de Cabeça de Nêgo em escolas, centros culturais e espaços extra-cinema. O projeto foi o vencedor do prêmio de distribuição inovadora do edital promovido pelo Göteborg Film Fund, em 2021.

    Em debates sobre como aumentar as audiências dos filmes brasileiros, é frequente a formação de público aparecer como solução. Sendo o cinema um sistema de comunicação, para compreendê-lo se faz necessário conhecer sua linguagem, aprendê-la (Yuri Lotman, 1978). No entanto, a perspectiva mercadológica se mostra dominante nos discursos sobre formar público. O artigo apresenta visões diversas sobre o tema e destaca a da professora Kênia Freitas. Em palestra durante o Nordeste Lab 2023, Kênia falou em “formação de hábito”, ao comentar sobre sua atuação como programadora do Cinema do Dragão, em Fortaleza.

    O trabalho conclui chamando atenção para a necessidade da adoção de perspectivas inclusivas para métricas realistas. Num país historicamente desigual, é preciso ir muito além da superfície. Com grande parte das audiências brasileiras sem acesso a salas de cinema ou plataformas digitais, se faz necessária a construção de outros pontos de contato entre essas pessoas e os filmes brasileiros. E é urgente que se produza e se considere dados a respeito dessas audiências, seus hábitos de consumo, suas demandas e visões de mundo.

Bibliografia

    ANDREW, Dudley. Além e abaixo do mapa do cinema mundial. Em: DENNISON, Stephanie (ed.). World cinema: as novas cartografias do cinema mundial. Campinas, SP: Papirus, 2013.

    CESAR, A. Que lugar para a militância no cinema brasileiro contemporâneo? Interpelação, visibilidade e reconhecimento, Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Esola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017

    LOTMAN, Yuri. Estética e Semiótica do Cinema. Lisboa. Editorial Estampa, 1978

    RIBEIRO, Marcelo R. S. Autorias rasuradas em “Afrique 50”: para uma economia política das assinaturas. Esferas, v. 1, n. 26, 12 abr. 2023. DOI: https://doi.org/10.31501/esf.v1i26.14249.

    SOARES, Fabio M., KASTRUP, Virgínia. A Experiência do Espectador: Recepção, Audiência ou Emancipação?, Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 15 n. 3, 2015.

    Stam, R. Introdução à Teoria de Cinema. São Paulo: Editora Papirus. 2000.