Ficha do Proponente
Proponente
- Mariana Dias Miranda (UFRJ)
Minicurrículo
- Doutoranda em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCom/UFRJ). Mestre em Cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine/UFF). Sua pesquisa atual tem como foco o conceito de atmosfera no cinema e as relações entre afetos negativos e suas formas estéticas no cinema contemporâneo.
Ficha do Trabalho
Título
- O enigma do invisível: o imaterial na primeira teoria do cinema
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- O cinema sempre teve sua ontologia assombrada pelo paradoxo da expressão das dimensões afetivas invisíveis e imateriais através de sua forma. Contrapondo a ênfase atual ao aspecto “novo” da teoria afetiva, propõe-se recuperar a problemática dos afetos e das noções de Atmosfera, Umwelt e Stimmung em teóricos dos primórdios do cinema como: Lotte Eisner, Béla Balázs e Jean Epstein. Busca-se, com isso, as possibilidades de atualização e aplicação conceitual destes teóricos no cinema contemporâneo.
Resumo expandido
- Em um certo recorte da produção cinematográfica contemporânea acompanha-se a reemergência e intensificação de obras menos preocupadas com a ênfase no aspecto da causalidade narrativa e mais na exploração sensória, na paralisia, na lentidão e na criação de seus próprios universos e ambientes fílmicos difusos. Neste recorte, as noções de drama e ação – em sua acepção clássica baseada em um personagem de traços bem definidos e agente causal – perdem força enquanto núcleo de estruturação da narração (e como consequência, da organização estilística do ambiente fílmico). Emergem uma série de obras que enfatizam o cotidiano e narrativas mínimas, mise-èn-scène austera, com pouco uso de diálogos, planos longos e baixa expressividade na atuação/performance atoral. Daí a proliferação de nomenclaturas críticas as mais diversas: desde “cinema devocional” (DORSKY, 2005) e “cinema transcendental” (SCHRADER, 2018), passando pelo “cinema de fluxo” (BOUQUET, 2002; OLIVEIRA JR, 2013) e, culminando na mais recente, “slow cinema” (LUCA; JORGE, 2016).
Deste modo, é evidente a demanda e necessidade de outros vocabulários analíticos, e nos últimos anos observa-se a ênfase na teoria afetiva (affective turn) e outros termos como “atmosfera”, “ambiência” e Stimmung como caminho que dê conta dos aspectos sensórios deste tipo de cinema. Contudo, de parentesco com vastas terminologias, e outras medidas intangíveis, é possível observarmos a preocupação com estas mesmas questões nos teóricos dos primórdios do cinema como: Béla Balázs (1970), Lotte Eisner (1965; 1973), Jean Epstein (1947;1973) e, no caso do cinema moderno, em Pier Paolo Pasolini (1981). Relegados às suas chaves históricas específicas e hoje um tanto esquecidos, em comum, estes autores, ao pensarem acerca da ontologia do então novo meio, defrontam-se com a problemática do paradoxo de presenças ausentes. Isto é, questionam, através de um diálogo comparado com técnicas da literatura (discurso indireto livre), da poesia (a ambiguidade) e as dimensões plásticas da pintura (o grisaille, sfumato e chiaroscuro) as possibilidades da expressão formal e visual do caráter invisível das emoções, afetos e da contingência. Estes são evidenciados nos conceitos de Umwelt (Eisner), Atmosfera (Balázs e Eisner), poesia (Pasolini) e Fotogenia (Epstein).
Objetivo e subjetivo, material e imaterial eram entendidos de maneira uníssona, em tentativas chamadas de espiritualização da forma. A preocupação com este mundo difuso de forças, nos debates dos anos 1920, é profundamente enraizado no caráter da forma em seus efeitos de criação de universos palpáveis e transitáveis que enfatizam as dimensões invisíveis das emoções pelo forçar da forma para além do naturalismo. Nestes teóricos primordiais encontramos uma vasta caixa de ferramentas analíticas e criativas destacadas pela identificação e assombro para a ontologia do cinema que é a expressão daquilo que se mostra mais do que significa, isto é, algo que paira pela imagem sem a possibilidade de ancoragem em um só elemento do meio cinematográfico.
Neste sentido, esta comunicação tem como objetivo retornar ao convite destes teóricos primevos, de modo a dialogar e atualizar suas possibilidades no cinema contemporâneo. Ao relembrar este momento, tem-se como preocupação o não anunciar de um caráter original da teoria do cinema (a virada atmosférica ou afetiva), evitando o esquecimento de questões inerentes a sua história e ontologia.
A revitalização e demanda sócio-histórica de apreciação do tempo, da lentidão e daquilo que é classificado na imagem como “desimportante” devido a falta de atribuição objetiva na funcionalidade da ação e desejo de um personagem, ressalta a constância dos termos “afeto”, “ambiência”, Umwelt e Stimmung como preocupação fundante do cinema que transborda as barreiras geográficas e temporais. Por fim, tomando como chave estes termos, propomos como demonstrativo a análise do filme Ida (Pawel Pawlikowski, Polônia, 2014) à luz deste diálogo teórico.
Bibliografia
- BALÁZS, Bela. Theory of the film: character and growth of a new art. Londres: Dover Publications, 1970.
DORSKY, Nathaniel. Devotional Cinema. Berkeley: Tuumba Press, 2003.
EISNER, Lotte H. The Haunted Screen: Ghosts in Literature and Film. Londres: Thames and Hudson, 1965.
________________. Murnau. Londres: Seeker & Warburg, 1973.
EPSTEIN, Jean. Le Cinéma du Diable. Paris: Jacques Melot, 1947.
KELLER, Sarah; PAUL, Jason N. (ed.). Jean Epstein: critical essays and new translations. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2012.
LUCA, Tiago de; JORGE, Nuno Barradas (ed.). Slow Cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press Ltd, 2016.
OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. A mise-en-scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013.
PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo Hereje. Lisboa: Assírio & Alvim, 1981.
SCHRADER, Paul. Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer. Oakland: University Of California Press, 2018.