Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniel Velasco Leão (CNPq/UFSC)

Minicurrículo

    Daniel Leão é cineasta, artista visual e pesquisador. Graduado em Cinema e mestre em Comunicação pela UFF, doutor em Artes Visuais pela UDESC com período sanduíche na New York University, atualmente realiza com apoio do CNPq pesquisa pós-doutoral a respeito dos filmes que abordam a golpe de 2016. Foi professor de cinema da Universidade Federal de Santa Catarina entre 2016-2018, do curso de Produção Audiovisual da Univali (2023/1) e do curso de Produção Cultural da UFF (2023/2).

Ficha do Trabalho

Título

    (Des)visões de Dilma: o golpe nas montagens realizadas por mulheres

Formato

    Presencial

Resumo

    A derrubada de Dilma Rousseff levou à realização de um grande número de filmes. Parte considerável desses foi editado por mulheres — Karen Akerman (O processo de Maria Ramos, 2017), Karen Harley (Democracia em Vertigem de Petra Costa, 2019), Vânia Debs e Anna Muylaert (em Alvorada de Muylaert e Politi, 2020) e Paula Fabiana também diretora Filme manifesto. Analisaremos as operações de montagem predominantes nesses filmes, observando suas especificidades e traços estilísticos.

Resumo expandido

    O golpe sofrido por Dilma Rousseff levou à realização de um grande número de filmes, fenômeno de proporções inéditas na história do cinema documentário brasileiro: 14 longas foram realizados em 5 anos. Uma parte considerável destes foi dirigida por mulheres, em uma reação à misoginia da campanha pela destituição de Dilma. Ao contrário do que ocorre nos demais campos criativos e executivos dessas obras, a edição conta sempre com uma editora mulher. Quais são os procedimentos de montagem de Karen Akerman (editora de O processo de Maria Augusta Ramos, 2017), Karen Harley (uma das montadoras de Democracia em vertigem de Petra Costa, 2019), Vânia Debs e Anna Muylaert (co-editoras com Helio Villela Nunes de Alvorada de Anna Muylaert e Lô Politi, 2020) e Paula Fabiana também diretora de Filme Manifesto: o Golpe de Estado (2016)? De que forma suas montagens contribuem para desvisões do golpe e uma reinvenções de seu processo, tão amplamente conhecido?
    Filme Manifesto, apesar de ser um documentário realizdo por uma militante em um corpo a corpo com a rua, e editado por ela imediatamente após a votação na câmara dos deputados, abre mão da voz em primeira pessoa e de outros procedimentos típicos do giro subjetivo preferindo articular, de forma linear, as manifestações de rua desde junho de 2013 até a destituição de Dilma situando-as a partir de material de arquivo precário.
    O processo, como outros filmes realizados por Maria Augusta Ramos, se aproxima dos dogmas do cinema direto estadunidense, em que a observação exaustiva ao longo das filmagens cria condições para uma edição guiada pelos fundamentos da decupagem clássica. Também aqui, aliás, esta decuapgem se ancora na ideia de jornada, que o filme incorpora sem dificuldades ao duplicar a estrutura rito do impeachment e ao eleger uma personagem central (Gleisi Hoffmann). É notável a sensibilidade com que a montagem contrasta as cenas do processo com o espaço contíguo às sessões (onde jornalistas permenacem à espera entediados e exaustos) e com o entorno do congresso (onde, na calma do cair da tarde, funcionários esperam os ônibus que os levarão para casa). Conjugados, todos estes espaços e ações mostram o processo sem qualquer vertigem.
    Já Democracia em vertigem, com uma grande equipe de montagem da qual faz parte de forma proeminente Karen Harley, é constituído por uma montagem não-linear, marcada por elipses (que trazem a sombra Terra em transe), em movimentos guiados ora pelas memórias autobiográficas da diretora, ora pelos fatos definidores da crise democrática brasileira. O filme tem um duplo arco narrativo: o principal é aquele da queda de Dilma, mas abrangendo ainda as eleições de Lula e de Bolsonaro; o secundário, formado por uma relação especular da família de Petra com o estado. Com voz over em primeira pessoa, vasto material de arquivo e músicas empáticas, a montagem a montagem move-se por choques ou contemplações, em busca do engajamento do público e de criações de sentido eficazes à maneira dos teóricos da montagem soviéticos.
    Alvorada busca uma representação do cotidiano do Palácio da Alvorada, residência oficial de Dilma Rousseff ao longo de seu afastamento. Afora por uma longa e reveladora entrevista com a presidenta, o filme é composto pela observação da rotina do poder e, mais importante, da rotina de funcionários/as — que desentopem a piscina, fazem o almoço e, definido o destino de Dilma, sentam-se à mesa de trabalho e posam para selfies. A montagem articula a entrevista da presidenta com os demais conteúdos, quase todos individualmente de baixa intensidade, mas que aos poucos vão configurando a falta de rumo do país e a distância entre o povo e o poder.
    Baseada na revisão bibliográfica e a na análise fílmica, esta apresentação será atravessada por referências aos trabalhos anteriores das editoras e por considerações a respeito das distintas condições de trabalho nestas obras (que vão desde uma grande produção da Netflix a um filme feito sem qualquer apoio).

Bibliografia

    AMIEL, Vicent. A estética da montagem. Lisboa: Texto&Grafia, 2010.
    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    EISENSTEIN, S. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990; FRANÇA, Andrea. MACHADO, Patrícia. Imagens que assombram – o efeito impeachment no cinema documental. Revista Cinética, 2019. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/nova/impeachment-andrea-patricia/.
    GAUTHIER, Guy. Le documentaire un autre cinéma. Paris: Éditions Nathan, 1995.
    HARAZIM, Dorrit. Foco distanciado: a trajetória de uma documentarista solitária. Revista Piauí, nº 14, Novembro de 2007. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/foco-distanciado/
    HOLANDA, Karla. & TEDESCO, M. C. Feminino e plural: Mulheres no cinema brasileiro. Campinas/São Paulo: Papirus, 2017.
    HOLANDA, Karla. Documentaristas brasileiras e as vozes feminina e masculina. Significação, 42(44), 2016, p. 339-358.