Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    lukas elioenai do nascimento (UFMS)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual, agora mestrando em Comunicação na linha de pesquisa Mídia, Identidade e Regionalidade pela UFMS. Realizou a organização e mediação de debates durante a mostra de Cinemas Indígenas do Mato Grosso do Sul, junto da UFMS, do coletivo ASCURI (2022) e do professor doutor Vitor Tomas Zan. Curador do festival Visões Periféricas nas mostras Visorama e Cinema da Gema durante as edições de 2021 a 2024, e do festival universitário Desver nas edições dos anos 2021 e 2023.

Ficha do Trabalho

Título

    A liberdade na criação de imagens sobre a periferia no curta-metragem

Formato

    Presencial

Resumo

    No cinema brasileiro, as imagens cinematográficas de pessoas negras e ambientes periféricos urbanos passam pelo histórico da estereotipia e do reducionismo, por vezes presentes até no cinema contemporâneo. E em Quintal (2015), um filme de André Novais Oliveira, a reivindicação de outra perspectiva para a representação de pessoas negras e ambientes periféricos se torna possível, a partir de uma narrativa imbuída da liberdade criativa que escapa de estereótipos do imaginário social brasileiro.

Resumo expandido

    O presente trabalho observa no filme Quintal (2015), de André Novais Oliveira, imagens que representam pessoas negras e espaços periféricos de forma a escapar de estereotipias incrustadas no imaginário social brasileiro. Esse imaginário se formou através de convenções racistas chamadas por Mbembe de alucinações (2014), que se estendem para percepções da própria população brasileira sobre o povo negro, e corriqueiramente são repetidas pela mídia hegemônica ao representar espaços periféricos urbanos e pessoas negras de maneira a buscar apenas insalubridades materiais, violências, e por vezes vincular a periferia urbana à criminalidade. Dada a condição em que o próprio discurso político de certas alas reacionárias da politica brasileira se encontram, observa-se que tais entendimentos não apenas persistem, como também passam por constantes manutenções.
    Dessa forma, em Quintal, um curta-metragem realizado por cineastas da periferia urbana de Contagem, Minas Gerais, vê-se uma outra perspectiva nascida a partir da possibilidade da autorrepresentação, de si e do ambiente em que se vive, sem demonstrar pontos de contato com os preconceitos presentes no imaginário social brasileiro. Desvencilhar-se de tais convenções pressupõe a liberdade de realizadores negros e periféricos para construírem imagens e contarem histórias sobre si e sobre seu espaço, e assim apresentarem novos imaginários..
    Em Quintal, a construção de uma narrativa inicialmente apresentada como realista, sobre uma periferia pacata onde os personagens agem de maneira a possibilitar identificações com suas ações banais, logo se vê atravessada por acontecimentos fantásticos que repentinamente ganham espaço na história, não sendo desenvolvidos por estruturas narrativas convencionais. Somado à imagens com a estética que busca aderência ao real, o surgimento sem avisos da fantasia tem a capacidade de expurgar estigmas da representação de uma periferia urbana. Este trabalho vê em Quintal um filme onde a periferia tem o poder e a liberdade de criar sua própria imagem, sendo, portanto, a criação de imagens que Bell Hooks define como “atos de resistência que transformam, invés de apenas seduzir.” (2019, pg. 246).
    Conforme radiografado por João Carlos Rodrigues (2011), na história do cinema nacional a luta de realizadores negros passou justamente pela dificuldade de criar imagens de si, sem ter que prestar contas a imaginários sociais reducionistas. Robert Stam e Ella Shohat falam como a “hipersensibilidade em torno de estereótipos e distorções cresce enormemente, então, com a falta de poder dos grupos historicamente marginalizados para controlar sua própria representação.” (apud CARVALHO, 2022, p. 238) e em Quintal essa hipersensibilidade se vê superada, não apenas pela forma de enquadrar as pessoas negras em cena, mas também pela liberdade criativa presente na desenvoltura narrativa.
    O realizador André Novais teve como locação a própria casa e bairro, e a partir do próprio quintal se permitiu fantasiar sobre as histórias possíveis de serem contadas nele, de maneira que relacionar o espaço à fábula é também ampliar suas possíveis significações, e os significados das pessoas que nele vivem. Para além de se contar histórias sobre acontecimentos banais do dia a dia que orbitem vivências nas regiões periféricas urbanas, Quintal busca a fantasia que cria um movimento onde a periferia urbana comum se torna vetor para a ficção fantástica, ampliando os horizontes das histórias possíveis para esse ambiente, e para as representações das vivências das pessoas que a ele pertencem.

Bibliografia

    RODRIGUES João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Pallas Editora. Rio de Janeiro, RJ, 2011
    MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. 1° edição. Editora Antígona. Lisboa, Portugal, 2014
    HOOKS, Bell. Olhares negros. Editora Elefante. São Paulo, SP, 2019
    STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Papirus Editora. Campinas, SP, 2003
    CARVALHO, Noel dos Santos. Cinema negro brasileiro. 1° edição. Campinas, São Paulo. Papirus Editora, 2022