Ficha do Proponente
Proponente
- Elizabeth Motta Jacob (UFRJ)
Minicurrículo
- Elizabeth é diretora de arte, cenógrafa e pesquisadora. Implantou a primeira pós-graduação em Direção de Arte no Brasil, foi professora na Escuela Internacional de Cine e TV, Cuba, cenógrafa e diretora de arte na TV Globo, na Antene 2 e TF1, em publicidades e em longas-metragem. Trabalhou em documentários para The Survivors of The Shoah de Steven Spielberg. ÉProfessora Associada do Curso de Comunicação visual, EBA/UFRJ do PPGAC, ECO/UFRJ onde trabalha questões relativas à direção de arte.
Ficha do Trabalho
Título
- Quando a dor é cinza: a cor e a construção da subjetividade
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Em Mães de Verdade Naomi Kawasi trabalha s dimensões da maternidade. Filme sensível tende a um sentimentalismo raro na obra da diretora, equilibrado através da construção de uma visualidade capaz de colocar em evidencia a subjetividade de seus personagens. O presente artigo aborda de que forma a direção de arte utiliza-se de seus elementos expressivos, em especial a criação de uma palheta cromática econômica e eficiente, a fim despertar o espectador sensorialmente e criar aderência ao filme.
Resumo expandido
- Naomi Kawase trabalha recorrentemente em sua obra com os ciclos da existência, o sentido da vida e a maternidade. Mães de verdade, 2020, enfrenta estas questões trazendo dimensões diferenciadas da maternidade e nos surpreendendo com viradas narrativas que permitem o deslocamento do protagonismo de um casal que adotou uma criança, para a mãe que doou o filho. Em uma estrutura narrativa não linear o filme firma o encontro entre eles e confronta vivências de maternidade.
Em seus filmes, a partir de longos planos, Kawase desperta a sensorialidade na construção da imagem, muitas vezes criando apelo háptico . Para tanto apresenta uma composição de figurinos e cenários precisos e serve-se de iluminação e enquadramentos não convencionais. Mães de verdade evita, em sua construção visual, o uso de texturas chamativas, estampas, camadas superpostas, tão frequentes em cinemas criam imagens hápticas, apostando em uma palheta cromática restrita e texturas monocromáticas. A direção de arte oferece um cromatismo rigoroso nos espaços internos que são tensionados por espaços naturais exuberantes. Tal confrontação sensível convoca a emoção do espectador.
Mas se a emoção é um movimento, ela é, portanto, uma ação: algo como um gesto ao mesmo tempo exterior e interior, pois, quando a emoção nos atravessa, nossa alma se move, treme, se agita, e o nosso corpo faz uma série de coisas que nem sequer imaginamos. (Didi-Huberman, 2016, p.26)
O filme apresenta o doloroso processo vivenciado pelo casal diante da infertilidade até a adoção, e o reaparecimento da mãe biológica os chantageando. Mais uma virada narrativa nos leva ao passado expondo as desventuras da adolescente forçada a doar o bebê.
Os sentimentos são administrados de forma contundente sustentados por uma direção de arte que aposta em base fria que vai do cinza à alguns tons de bege e branco, pontuado por elementos em marinho, amarelo e verde.
No primeiro encontro do casal com o filho, o marido usa uma camisa marinho com trama na mesma cor e o bebê lhes é entregue envolto numa manta amarela em martelassê. O bebê fica emoldurado pela camisa azul, cor complementar à da manta e o rosto da mãe que veste cinza e traz um lenço estampado em verde – cor que se obtém com a mistura do azul com o amarelo- marcando assim o entrelaçamento de seus destinos.
A casa da família é moderna marcada por elementos em cinza, objetos pontuais em inox e texturas discretas. As superfícies vão se tornando repositórios de histórias tangíveis da vida do casal através de objetos incorporadas ao espaço tais como os desenhos da criança nas paredes.
A casa da família da mãe biológica, ao contrário da do casal, apresenta elementos da decoração tradicional japonesa e alguns móveis contrastantes com o fundo claro. Logo percebemos o conservadorismo dos pais em confronto com os desejos da filha e, conforme o conflito entre eles avança, vemos mais elementos tradicionais na casa.
O abrigo para gestantes para o qual ela é enviada contrapõem espaços fechados e naturais. Ao voltar para a casa após doar o bebê a moça é exposta a situação vexatória saindo de casa. Passando por situações difíceis, faz uma amiga que possui um blusão amarelo, signo, no filme, de força. A moça confronta os pais adotivos de seu filho com blusão da mesma cor da manta com a qual entregou seu filho. O amarelo resplandecente do blusão destaca-se das tonalidades neutras da casa. Após o terrível encontro ela se vê só na cidade árida. A natureza aparece novamente se comportando enquanto espaço de transcendência e de força de vida que se insurge contra a dor e se impõe enquanto força desejante.
Bibliografia
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MERLEAU- PONTY, M. O olho e o espírito, Lisboa: Grafilarte,1997.
TRINDADE, R, Deleuzes e Guattari- Maquinas desejantes, https://razaoinadequada.com/2013/05/10/deleuze-maquinas-desejantes/