Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Elizabeth Motta Jacob (UFRJ)

Minicurrículo

    Elizabeth é diretora de arte, cenógrafa e pesquisadora. Implantou a primeira pós-graduação em Direção de Arte no Brasil, foi professora na Escuela Internacional de Cine e TV, Cuba, cenógrafa e diretora de arte na TV Globo, na Antene 2 e TF1, em publicidades e em longas-metragem. Trabalhou em documentários para The Survivors of The Shoah de Steven Spielberg. ÉProfessora Associada do Curso de Comunicação visual, EBA/UFRJ do PPGAC, ECO/UFRJ onde trabalha questões relativas à direção de arte.

Ficha do Trabalho

Título

    Quando a dor é cinza: a cor e a construção da subjetividade

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Em Mães de Verdade Naomi Kawasi trabalha s dimensões da maternidade. Filme sensível tende a um sentimentalismo raro na obra da diretora, equilibrado através da construção de uma visualidade capaz de colocar em evidencia a subjetividade de seus personagens. O presente artigo aborda de que forma a direção de arte utiliza-se de seus elementos expressivos, em especial a criação de uma palheta cromática econômica e eficiente, a fim despertar o espectador sensorialmente e criar aderência ao filme.

Resumo expandido

    Naomi Kawase trabalha recorrentemente em sua obra com os ciclos da existência, o sentido da vida e a maternidade. Mães de verdade, 2020, enfrenta estas questões trazendo dimensões diferenciadas da maternidade e nos surpreendendo com viradas narrativas que permitem o deslocamento do protagonismo de um casal que adotou uma criança, para a mãe que doou o filho. Em uma estrutura narrativa não linear o filme firma o encontro entre eles e confronta vivências de maternidade.
    Em seus filmes, a partir de longos planos, Kawase desperta a sensorialidade na construção da imagem, muitas vezes criando apelo háptico . Para tanto apresenta uma composição de figurinos e cenários precisos e serve-se de iluminação e enquadramentos não convencionais. Mães de verdade evita, em sua construção visual, o uso de texturas chamativas, estampas, camadas superpostas, tão frequentes em cinemas criam imagens hápticas, apostando em uma palheta cromática restrita e texturas monocromáticas. A direção de arte oferece um cromatismo rigoroso nos espaços internos que são tensionados por espaços naturais exuberantes. Tal confrontação sensível convoca a emoção do espectador.
    Mas se a emoção é um movimento, ela é, portanto, uma ação: algo como um gesto ao mesmo tempo exterior e interior, pois, quando a emoção nos atravessa, nossa alma se move, treme, se agita, e o nosso corpo faz uma série de coisas que nem sequer imaginamos. (Didi-Huberman, 2016, p.26)

    O filme apresenta o doloroso processo vivenciado pelo casal diante da infertilidade até a adoção, e o reaparecimento da mãe biológica os chantageando. Mais uma virada narrativa nos leva ao passado expondo as desventuras da adolescente forçada a doar o bebê.
    Os sentimentos são administrados de forma contundente sustentados por uma direção de arte que aposta em base fria que vai do cinza à alguns tons de bege e branco, pontuado por elementos em marinho, amarelo e verde.
    No primeiro encontro do casal com o filho, o marido usa uma camisa marinho com trama na mesma cor e o bebê lhes é entregue envolto numa manta amarela em martelassê. O bebê fica emoldurado pela camisa azul, cor complementar à da manta e o rosto da mãe que veste cinza e traz um lenço estampado em verde – cor que se obtém com a mistura do azul com o amarelo- marcando assim o entrelaçamento de seus destinos.
    A casa da família é moderna marcada por elementos em cinza, objetos pontuais em inox e texturas discretas. As superfícies vão se tornando repositórios de histórias tangíveis da vida do casal através de objetos incorporadas ao espaço tais como os desenhos da criança nas paredes.
    A casa da família da mãe biológica, ao contrário da do casal, apresenta elementos da decoração tradicional japonesa e alguns móveis contrastantes com o fundo claro. Logo percebemos o conservadorismo dos pais em confronto com os desejos da filha e, conforme o conflito entre eles avança, vemos mais elementos tradicionais na casa.
    O abrigo para gestantes para o qual ela é enviada contrapõem espaços fechados e naturais. Ao voltar para a casa após doar o bebê a moça é exposta a situação vexatória saindo de casa. Passando por situações difíceis, faz uma amiga que possui um blusão amarelo, signo, no filme, de força. A moça confronta os pais adotivos de seu filho com blusão da mesma cor da manta com a qual entregou seu filho. O amarelo resplandecente do blusão destaca-se das tonalidades neutras da casa. Após o terrível encontro ela se vê só na cidade árida. A natureza aparece novamente se comportando enquanto espaço de transcendência e de força de vida que se insurge contra a dor e se impõe enquanto força desejante.

Bibliografia

    BARKER, J. The actile eye. Touch and the cinematic experience,Londo,: University of California press, 2009.
    BRUNO, G. Surfaces, matters of aesthetics, materiality, and media, London: University of Chicago Press, 2014.
    DELEUZE, G e GUATTARI, F. O liso e o estriado IN Mil platôs capitalismo e esquizofrenia, vol.5, São Paulo: Ed.34, 2005.
    ________________________. O que é filosofia?São Paulo: Ed. 34, 2010.
    DIDI-HUBERMAN, G. Que emoção! Que emoção ?, São Paulo: Ed. 34, 2016
    MARKS, Laura. Touch. Sensous theory and multisensory media, Minneapolis: University of Minnesota press, 2002
    MERLEAU- PONTY, M. O olho e o espírito, Lisboa: Grafilarte,1997.
    TRINDADE, R, Deleuzes e Guattari- Maquinas desejantes, https://razaoinadequada.com/2013/05/10/deleuze-maquinas-desejantes/