Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Bruna Teixeira Jacintho (UNB)

Minicurrículo

    Artista e pesquisadora visual. Atua principalmente com temáticas do corpo, gênero e sexualidade. Bruna Teixeira (bruCa) é cuir e vive em Maceió-Alagoas, onde cresceu e trabalha. Desenvolve produções em arte digital e audiovisual, incluindo pintura, colagem, videoinstalação e animação. Atualmente está dedicada ao projeto de produção poética Adão Ciborgue, com pesquisas e processos artísticos, em torno da experiência transmasculina e da Ecologia Queer.

Ficha do Trabalho

Título

    Materialidades transmasculinas em poéticas de animação, Adão Ciborgue

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Nesta proposta pretende-se abrir uma reflexão sobre temas-chave das artes visuais, desde os estudos trans e queer, considerando os caminhos e processos percorridos na realização de minhas produções poéticas. Me interessa interrogar conceitos como textura, opacidade e corpo na aplicação de trabalhos em animação para videoinstalação. Esta discussão compõe Adão Ciborgue, projeto de pesquisa em desenvolvimento que objetiva investigar a subjetividade transmasculina na criação em Arte e Tecnologia.

Resumo expandido

    Em 2021, os pesquisadores David Getsy e Che Gossett apresentaram um programa ao Art Jounal sobre tópicos e métodos centrais dos estudos não-binários e transgêneros, endereçado à arte e história da arte, considerando a triangulação de racialização, colonialidade e (des)generização. Observaram que, em comparação com a literatura ou os estudos cinematográficos, tem havido uma escassez de envolvimento das Artes Visuais com o campo interdisciplinar robusto e de décadas de estudos sobre transgêneros, em escala global. Propuseram, então, algumas maneiras pelas quais os temas-chave da arte poderiam ser reimaginados, buscando termos comuns que circulam nas conversas sobre arte (como forma, materialidade, representação, e assim por diante) e demonstrando, a partir de uma lista de referências de pensadores e artistas queer, como as posições transgêneras e não-binárias nos obrigam a olhar para esses termos de forma diferente. Nesse sentido, busco investigar como a subjetividade transmasculina rearticula alguns desses conceitos, como textura, opacidade e corpo, a partir do contato com o meu processo criativo de animação para videoinstalações, que compõem o projeto de pesquisa de doutoramento em Arte e Tecnologia, Adão Ciborgue, em desenvolvimento.

    Em Adão Ciborgue, venho examinando as maneiras pelas quais o meu corpo ganha forma e legibilidade transmasculina, isto é, explorando particularidades, oclusões, abstrações e outros meios de presença trans não baseados em figuração estrita, reconhecimento convencional ou representação visual. Muito porque reivindico a opacidade como tática de resistência, pelo direito à recusa ao dignóstico imediato e pela compreensão do meu corpo cuir como um processo de contornos maleáveis (BUTLER, 1988), um conjunto de líquidos dinâmico (PRECIADO, 2023), uma perpétua transição (HALBERSTAM, 2023). Neste caminho, como uma primeira empreitada, estou articulando a textura como vetor da experiência transmasculina, em uma série de nanometragens de stop motion de areia contra a luz para videoinstalações, e de animação em rotoscopia para projeções. Esta série trata de subtração, a presença que vai virar ausência, da despedida dos meus peitos nas prévias da mastectomia masculinizadora prevista para o segundo semestre de 2024. Além das areias de praia que fazem parte da minha história enquanto criança transgênera, utilizo as tapes usadas por mim, como matéria de animação, bem como, suas marcas e vestígios, sombras e rastros dos peitos que elas escondem. O avançar da pesquisa prevê a exploração de outras materialidades comuns ao meu cotidiano transmasculino, atual e futuro, como binders, packers, cintas, pelos da barba, testosterona, dentre outros.

    Minha premissa inicial, então é: a textura de uma animação pode abordar aspectos friccionais transgêneros e desvendar padrões emocionais confortáveis para pessoas cuir e transmasculinas. O pantone é político, mas os estudos arquitexturais de Lucas Crawford (2015) demonstram que a textura é tão política quanto a cor, tão profundamente imbricada nas normas de gênero e sexuais, quanto o azul e o rosa. O autor nos convida a observar os códigos de generificação e a sexualização do háptico, através do simbolismo da textura: os meninos são ásperos e durões, as meninas devem ter cabelos sedosos e vozes aveludadas; o forte, ríspido e grosso são vantagens associadas ao fálico, ao masculino; enquanto o suave, a doçura e o delicado, ao feminino. “Não sabemos o que a textura é, só o que a textura faz. E a partir de Judith Butler, muitos de nós pensamos o gênero precisamente como este tipo de proposição relacional e ativa.” (CRAWFORD, 2020:5). O amassado e o arranhão são as duas arquitexturas de modo queer proposto por Crawford, que venho explorando como ponto de partida em meus trabalhos. Se amassar é mostrar que fomos afetados pelo mundo, então sobreviver é ao mesmo tempo continuar vivos e carregando as marcas ou os riscos dessa sobrevivência sobre/no/sendo um só corpo, reciclado.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. “Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory.”. Theatre Journal v. 40, n. 4, 1988. Disponível em: https://doi.org/10.2307/3207893. Acesso em: 30 de março de 2024.

    CRAWFORD, Lucas. “The Crumple and the Scrape,” Places Journal, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22269/200305. Acesso em: 01 de abril de 2024.

    GETSY, David J.; GOSSETT, Che. A syllabus on transgender and nonbinary methods for art and art history. Art Journal, v. 80, n. 4, p. 100-115, 2021. Disponível em: https://artjournal.collegeart.org/?p=16500 . Acesso em: 27 de março de 2024.

    HALBERSTAM, Jack. Trans*: uma abordagem curta e curiosa sobre a variabilidade de gênero. Salvador: Devires, 2023.

    PRECIADO, Paul B. Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.