Ficha do Proponente
Proponente
- denise tavares da silva (UFF)
Minicurrículo
- Professora do PPG Mídia e Cotidiano e do Departamento de Comunicação Social, ambos da Universidade Federal Fluminense. Doutora em Integração Latino-Americana (PROLAM/UFF) e Mestre em Multimeios (Unicamp). Pesquisa as linguagens e trânsitos do documentário, com ênfase na produção da América Latina.
Ficha do Trabalho
Título
- Diálogos interculturais: identidade e natureza em dois filmes da AL
Seminário
- Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir de dois filmes bastante distintos na geografia, tempo e projeto cinematográfico, essa comunicação tem como objetivo discutir os desafios que atravessam a constituição de uma identidade latino-americana que não escamoteie sua história de genocídio e violência contra os povos originários. Os filmes são o boliviano Yvy Maraei e o brasileiro A última Floresta. Ambos serão discutidos à luz do que coloca o debate decolonial (e sua crítica).
Resumo expandido
- A despeito de uma percepção óbvia que aponta para as evidentes desigualdades históricas, sociais e culturais entre os 20 países que compõe a América Latina, a ideia da constituição de uma identidade latino-americana se mantém, muito particularmente, pelo passado comum desenhado pela invasão dos europeus e o concomitante massacre dos povos indígenas. Trata-se de um diagnóstico que tem permitido buscar nas cinematografias “vizinhas” possibilidades de repensar a de seu próprio país, o que não impede de se demarcar singularidades, diferentes modos de produção e exibição, e mesmo considerar algumas obras que exigem um diálogo mais profundo em termos dos repertórios nacionais específicos. Reconhecendo este cenário como situação incontornável, essa comunicação faz um movimento algo temerário ao abordar, em um mesmo espaço de discussão, os filmes Yvy Maraei e A última floresta, como duas produções que são capazes de acionar questões que atravessam os múltiplos e persistentes desafios que a ideia de uma identidade latino-americana vivencia ainda hoje, na relação que estabelece com os povos originários e com as suas cinematografias.
Merece ser demarcado, para melhor compreensão desse movimento que se iniciou com uma proposta inspirada no método cartográfico cujo ponto de partida foi a relação do documentário e meio ambiente em recorte temporal iniciado nos anos 1990. A data foi escolhida por ser um período em que a crise ambiental ganha fôlego em função de alguns marcos. Um dos mais emblemáticos foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), que acabou sendo mais conhecida como Rio 92 por ter sido realizada de 3 a 14 de junho na cidade do Rio de Janeiro. Enfim, o processo de seleção das obras, como bem propõe o método, implicou em levantamento das diversas cinematografias dos países da América Latina, considerando as produções acessíveis, isto é, disponíveis em streaming e/ou redes sociais, e as que tiveram espaço de circulação em Festivais (ou espaços similares) autodefinidos como dedicados exclusivamente aos filmes ambientais. Estes foram analisados e discutidos também à luz das visões sobre decolonialidade, inclusive as críticas ao chamado movimento decolonial. Com esse percurso foi possível delimitar um território onde estão filmes sobre e com povos originários. É deste locus que destacamos Yvy Maraei e A última floresta, obras que, à primeira visada, parecem absolutamente distintas em diversos aspectos, mas que, a nosso ver, tanto pelas diferenças quanto pelas possibilidades de aproximação, projetam os desafios e impasses que cercam as representações das culturas indígenas em contato/convivência com a branca e vice-versa. Yvy Maraei (2013) é uma co-produção da Bolívia, México e Noruega, filmada em 35 mm por Juan Carlos Valdivia. Apresenta a viagem de um cineasta branco que quer fazer um filme e, para tanto, mobiliza um indígena guarani que o guia ela região sudeste da Bolívia onde vivem diversas comunidades dessa etnia. É um filme híbrido, na medida que se realiza enquanto documentário, ficção e performance. Já A última floresta (2021) é uma produção documental brasileira escrita por Luiz Bolognesi e pelo xamã Davi Kopenawa, sendo dirigida pelo primeiro. A obra também tem seus momentos ficcionais. Sua narrativa apresenta o cotidiano e as lutas do povo Yanomami para existirem nas suas próprias terras, mantendo viva sua cultura e modo de vida, em função da presença e atuação do branco, sempre dispostos a expulsá-los e matá-los. Enquanto no filme boliviano o branco enfrenta uma crise existencial, inclusive sobre o sentido de fazer um filme, no segundo os brancos são criminosos, sem serem, exatamente, personagens que se desenvolvem ao longo da narrativa. Essas e outras diferenças, bem como as proximidades entre as obras, permitem dimensionar e fundamentar as discussões que propomos nesta comunicação.
Bibliografia
- ALBERT, Bruce; KOPENAWA, Davi. O Espírito da Floresta. São Paulo: Cia das Letras, 2023.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Sociologia de la Imagem. Buenos Aires: Tinta Limón, 2015.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs). Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2023.
FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial – Pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu, 2022.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019.
KRENAK, Ailton. Futuro Ancestral. São Paulo: Cia das Letras, 2022.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A Queda do Ceu – Palavras de um xamã yabomami. 10ª Reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 2015.
SANTOS, A. B. (2023). A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora/PISEAGRAMA.
SEGATO, Rita. Crítica da colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.