Ficha do Proponente
Proponente
- TAINA XAVIER PEREIRA HUHOLD (ESPM)
Minicurrículo
- Tainá Xavier atua na produção e direção de arte desde 1997 e no ensino de cinema e audiovisual desde 2014. É doutora pelo PPGCine /UFF, mestre em Artes Visuais pela EBA/UFRJ e bacharel em Comunicação Social-Cinema pela UFF. Integra os grupos de pesquisa NATLA – Núcleo de Arte e Tecnologia Latino-Americano/Unila e NIDAA – Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual/UFPE e faz parte do coletivo BRA.DA – Diretoras de Arte do Brasil. É mãe.
Ficha do Trabalho
Título
- As matérias do tempo e do espaço em Não devore meu coração (2017)
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- A proposta examina a relação espaço-temporal em “Não devore o meu coração” (2017) através da direção de arte. O filme explora a fronteira Brasil – Paraguai, onde conflitos territoriais e étnicos desafiam a separação entre passado, presente e futuro ou entre natureza e cultura. A análise parte das materialidades do profílmico e é dividida em espaços, objetos e indumentária, revelando a interconexão entre territórios, culturas e temporalidades de forma a expandir e complexificar a narrativa.
Resumo expandido
- A presente proposta visa analisar a relação entre as materialidades do espaço cênico, objetos e caracterização de personagens, operadas pela direção de arte, e os aspectos temporais que entrelaçam a trama do longa-metragem “Não devore o meu coração” (2017), com direção de Felipe Bragança e direção de arte de Dina Salem Levy.
A narrativa transcorre na fronteira entre o Brasil (no Mato Grosso do Sul) e o Paraguai e narra a paixão de Joca (Eduardo Macedo), um garoto brasileiro branco de 13 anos por Basano (Adeli Benitez), uma menina indígena paraguaia de 15 anos.
Conflitos atuais e passados de disputa pelo território atravessam este romance, através dos familiares das crianças, envolvidos em gangues de motoqueiros, rachas, mortes por terras e ódio étnico. Alusões à Guerra da Tríplice Aliança propiciam a percepção de que a divisão entre passado, presente e futuro não é tão clara quanto parece. Por outro lado, os trânsitos fronteiriços e as identidades híbridas também evidenciam que a delimitação territorial não dá conta de separar as paisagens, os povos e suas histórias.
Para melhor aproximação do objeto, o exame das materialidades da direção de arte será divido em três grupos. O primeiro é composto pelos espaços, demarcadores culturais dos modos de habitar o território e portadores de traços de distintas temporalidades. O segundo contém os objetos de cena, examinados em seus trânsitos pelo espaço-tempo da trama e além desta. Já o terceiro traz a indumentária como elemento de subjetivação e re-subjetivação de personagens como Lucía, por exemplo, que, conforme postula Mignolo “Habita a fronteira, sente na fronteira e pensa na fronteira no processo de desprender- se e re-subjetivar-se.” (2017, p. 19).
Os espaços exteriores são campos de monocultura de trigo e soja, estradas onde ocorrem os rachas de moto e o rio que demarca, tanto os limites, quanto a permeabilidade fronteiriça. Nos interiores é possível perceber, apesar da semelhança funcional entre as edificações de cada um dos lados (casa; lugar de encontro de participantes da gangue; escola), a existência de contrapontos visuais que as caracterizam, por meio das escolhas e intervenções nas locações. As marcas de arruinamento em espaços como a sede da gangue brasileira e a escola apontam, tanto para um questionamento da distinção entre cultura e natureza, proposta por Simmel (2019), quanto para a ressonância (GREENBLATT, 1991) de fatos do passado (especialmente a Guerra da Tríplice Aliança) naqueles grupos sociais.
No segundo grupo de materialidades, os objetos de cena funcionam como conectores temporais, relacionando a narrativa fictícia com eventos históricos do passado (a espada remanescente da Guerra da Tríplice Aliança) ou vinculando laços familiares dos personagens (a correntinha que Joca ganhou do pai) com eventos da narrativa, de modo a antecipar acontecimentos da trama, ou expandi-la para além dos eventos nela entrelaçados. Contribuem para esta análise, a problematização da separabilidade e sequencialidade no pensamento moderno, proposta por Denise Ferreira da Silva (2019).
No terceiro grupo, as peças de vestuário, adereço e caracterização demarcam identidades de dois grupos em disputa, mas também indicam que a existência de híbridos é possível, além de perturbadora de uma certa ordem colonial imposta sobre as bases da distinção natureza e cultura que fundamentam o primitivismo.
A concepção de Bruno Latour sobre o tempo, como não sendo “um panorama geral, mas antes o resultado provisório da ligação entre os seres” (2019, p. 94) parece bastante apropriada para o exame das temporalidades que as materialidades do profílmico (objetos, figurinos, espaços) acrescentam à estrutura linear desta narrativa.
Pretendemos que a análise forneça elementos, através do estudo de caso, para um avanço no exame de dimensões adicionadas pela direção de arte ao conjunto da obra audiovisual, onde eventos e temporalidades extra-fílmicos a complementam e complexificam.
Bibliografia
- FERREIRA DA SILVA, Denise. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonância e encantamento. Estudos Históricos, [S. l.], v. 4, n.8, p. 244–261, 1991.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: Ensaio de antropologia simétrica. 4a ed. São Paulo: Editora 34, 2019.
MIGNOLO, Walter. Desafios coloniais hoje. Epistemologias do Sul, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 12–32, 2017.
SIMMEL, Georg. A Ruína. Em: FORTUNA, Carlos (org.). Simmel: A Ruína. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019.