Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno Mesquita Malta de Alencar (UFPE)
Minicurrículo
- Doutorando no Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFPE na linha de Estética e Culturas da Imagem e do Som. Pesquisa as cosmopolíticas da figuração no cinema italiano contemporâneo, com ênfase na região do Sul da Itália.
Ficha do Trabalho
Título
- Cosmopolíticas da figuração no cinema contemporâneo do Sul da Itália
Seminário
- Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas
Formato
- Presencial
Resumo
- Analisa Bela e Perdida (2015), de Pietro Marcello, defendendo que as suas estratégias de desclassificação da figura humana cindem com o antropocentrismo da cosmologia moderna. Para isso, coteja a ideia de “cinema geológico”, de Lúcia Ramos Monteiro, com o paradigma do “informe” de Georges Bataille, imaginando como a noção de “agência” no filme não está decalcada na mobilidade figurativa do orgânico ou na dimensão figurada do intersubjetivo, mas vazando pelas tramas extrínsecas do figural.
Resumo expandido
- Analisa o filme Bela e Perdida (2015), dirigido pelo italiano Pietro Marcello, mais especificamente, as suas estratégias de figuração. A narrativa se organiza em torno de três personagens: o ativista político Tomasso Cestrone, conhecido pela defesa do patrimônio físico e imaterial do Palácio de Cartidello, no Sul da Itália, chegando a habitar no local até o seu falecimento durante a produção do filme; o búfalo Sarchiaponne, salvo por ele de receber o mesmo destino fatal de seus congêneres no complexo agroindustrial da região; e Pulcinella, uma figura mítica das comédias burlescas napolitanas do séc. XVII que é associada aos infortúnios do campesinato.
Na esteira de Michelangelo Frammartino, com As Quatro Voltas (2010), e Alice Rohrwacher, com Lazzaro Felice (2019), Marcello repercute uma tendência do cinema italiano contemporâneo em que há a inscrição de um dissenso com as bases epistêmicas e concepções ontológicas da cosmologia moderna. Essa tendência é caracterizada por uma abordagem das tradições animistas de comunidades rurais no Sul da Itália que foram sincretizadas com o catolicismo romano através de um trânsito inventivo entre as estratégias do documentário e da ficção, e entre as sensibilidades realistas e as associadas à fantasia. Desse modo, há uma porosidade entre o registro audiovisual das práticas ritualísticas nas dimensões narrativas dos filmes, e a reivindicação plástica de suas especulações metafísicas nas dimensões formais, o que, no caso de Bela e Perdida, foi acentuado na etapa de produção após a morte de Tomasso.
Historicamente, podemos conectar esses filmes às colaborações de Cecilia Mangini e Vittorio de Seta com o antropólogo Ernesto di Martino, como em Stendali (1960) e I dimenticati (1959). Porém, se anteriormente o destaque se dava às esferas históricas, geográficas e sociais dos sujeitos, como nos contrastes entre o Sul empobrecido e agrário, e o Norte industrializado e urbano, atualmente parece haver uma ênfase nas suas fricções com questões ecológicas. É o caso, por exemplo, das fabulações imagéticas que esses filmes acionam em torno dos próprios marcadores geontológicos entre o Vivo e o Não Vivo (Povinelli, 2023), o que acarreta em uma revisão do animismo a partir de perspectivas contra-coloniais.
Na esteira de Lúcia Ramos Monteiro (2020), defendemos que esses filmes podem ser compreendidos como parte de, ou como influenciados por, um “cinema geológico”, que emerge com o reconhecimento do Antropoceno pelo Ocidente e o entrecruzamento do que antes a sua epistemologia distinguia como história natural e história humana. Esse cinema geológico se caracterizaria pela problematização das desproporções do humano com as escalas geológicas, colocando em cena a relação do cinema com a figurabilidade dos fenômenos que conferem visibilidade aos “tempos da Terra”. Embora não siga à risca as pontuações de Monteiro, Bela e Perdida tem no acento que confere à estratégias de desclassificação da figura humana – e de aproximação dos seus sintomas – uma proposição cosmopolítica que as repercute com pertinência.
Orientando-se pelo paradigma do “informe” de Georges Bataille (2018), sustentaremos a hipótese de que ao estabelecer processos de dessemelhança entre a figuração do humano e a do existente que o circunda, como os mundos dos animais e dos mitos, o filme inverte a relação entre quem ambienta e condiciona o quê, causando uma indeterminação sígnica do espaço e tempo diegéticos que rasga não apenas o tecido consensual da representação, mas as conformações antropocêntricas da espectatorialidade. Desse modo, em consonância com Tim Ingold (2006), argumentaremos que produzem uma noção de “agência” que não está decalcada na mobilidade figurativa do orgânico, ou na dimensão figurada do intersubjetivo, e, sim, nas tramas figurais da sua fabulação imagética, consequentemente, inscrevendo a alteridade no exterior da recursividade biossemiótica da modernidade, mas, ainda assim, na dimensão figuracional da imagem.
Bibliografia
- BATAILLE, G. Documents: Georges Bataille. Florianópolis: Desterro, 2018.
DANOWSKI, D.; CASTRO, E. V. DE. Há mundo por vir?: ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014.
DIDI-HUBERMAN, G. A Semelhança Informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. São Paulo: Contraponto, 2015.
DI BIANCO, L. Toward a Non-Anthropocentric Italian Cinema: Pietro Marcello’s Lost and Beautiful. Film and Philosophy, v. 27, p. 69–87, 2023.
DUBOIS, P. Plasticidade e Cinema: A Questão do Figural. Em: HUCHET, S. (Ed.). Fragmentos de uma Teoria da Arte. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. p. 97–118.
INGOLD, T. Rethinking the animate, re-animating thought. Ethnos, v. 71, n. 1, p. 9–20, mar. 2006.
MONTEIRO, L. R. Por Um Cinema Geológico: visibilidades possíveis para os tempos da Terra. Revista Eco-Pós, v. 23, n. 2, p. 163–187, 21 nov. 2020.
POVINELLI, E. Geontologias. São Paulo: Ubu Editora, 2022.