Ficha do Proponente
Proponente
- Luciana Barone (UNESPAR)
Minicurrículo
- Artista da cena e professora da Licenciatura em Teatro e do PPG em Cinema e Artes do Vídeo (UNESPAR). Tem pós-doc em Teatro e Performance (Goldsmiths, Londres), é Doutora e Mestra em Multimeios (UNICAMP), Especialista em Psicologia Junguiana (IJEP) e Educadora do Movimento Somático (BMC®). Fez estágio com Robert Lepage no MET/NY. É lider do GP Processos criativos em Artes Cênicas e integrante do CINECRIARE (UNESPAR/CNPq). É editora da Revista Cientírica/FAP.
Ficha do Trabalho
Título
- Autobiografia e o modo performático em “Amazona”
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho, objetiva analisar o curta-metragem Amazona – que aborda a travessia do câncer de mama pela autora, somada a depoimentos de outras mulheres – à luz de abordagens teóricas relativas ao cinema autobiográfico. Para tanto, propõe entrelaçamentos entre a obra fílmica e as abordagens de Phillipe Lejeune e Raymond Bellour, bem como a de Bill Nichols, relativa ao documentário performativo, tendo por base de articulação o pressuposto feminista de que o pessoal seja político.
Resumo expandido
- “Amazona” (2023) é um curta metragem em que abordo minha travessia de um câncer de mama. O filme concentra a elaboração de questões que a meu ver contribuíram para a condição de saúde que enfrentei, além de simbolizar um grito artístico de assuntos que são silenciados por determinadas condições sociais e que precisam vir à tona. Nele, represento a personagem central, inspirada em minhas próprias vivências. Na época da escrita do roteiro, lancei um chamado em redes sociais a outras mulheres que tivessem atravessado ou estivessem atravessando o câncer de mama e que quisessem contribuir para um curta-metragem a respeito do tema. Algumas mulheres responderam ao chamado e a elas enviei duas perguntas, que deveriam ser respondidas em áudios, que contivessem também seus nomes, idades e idade em que descobriram o câncer.
O filme encena a rememoração de certas circunstâncias vividas pela personagem, tanto diretamente ligadas à doença (cenas em hospital), quanto outras que são, pela obra a ela associadas. Para tanto, lancei mão, além de memórias, de documentos que, junto aos depoimentos das demais mulheres participantes, reforçam a aproximação entre o documental e o ficcional representativo, o que me trouxe ao presente trabalho de entrelaçamento desta criação com teorias cinematográficas relativas ao autobiográfico e ao documentário performativo.
Abordando a autobiografia, Raymond Bellour (1997), ao analisar o livro em que Stendhal enfoca sua infância e adolescência, mesclando desenhos a escritas, afirma que este autor deixa a imaginação operar na escrita autobiográfica, sem narrar elementos de sua vida, mas buscando capturá-la. O papel da imaginação é assumido na apreensão de si memo, que me parece, ser um dos objetivos de obras desta natureza. Não se trata de reproduzir uma memória pretensamente factual, mas de, ao rememorar, imaginar e tecer uma visão de mundo, a partir da apreensão da própria experiência.
O que Bellour identifica como comum entre os filmes autobiográficos é o âmbito do íntimo (o pessoal, o privado). Phillipe Lejeune (2014) afirma que, para a teoria literária do século XIX, o gênero implicava na narrativa que a pessoa fazia de si (e o pacto que isso pressupunha) ou em texto que transparecesse a intenção do autor (explícita ou não) em expor sua vida. Já na linguagem específica do cinema, Lejeune identifica ferramentas como fotos e voz em off para o compartilhamento de tal intimidade.
Bill Nichols (2005), ao definir diferentes modos de documentários, inscreve o performático como aquele que enfatiza as dimensões subjetivas e afetivas, dando ênfase também à memória e afastando-se do relato objetivo. Acontecimentos reais são amplificados pelo imaginário para estimular a sensibilidade do espectador, através da sensibilidade do cineasta. Entendo que, ao propor um envolvimento com o mundo histórico – que pode se dar por meio da elaboração artística de experiências pessoais e autobiográficas -, o performático contribui também para imprimir ao cinema um dos slogans feministas de que o pessoal seja político. Vejo, portanto, este tipo de obra como mecanismo de atuação política por parte de artistas pertencentes às minorias que podem retratar a si próprias, sem precisar da mediação de uma voz que as veja de fora, com suas objetivas e objetividades. “Amazona” é uma tentativa de expressão neste sentido, a partir de mulheres que efetivamente vivenciaram a experiência do câncer. O filme apresenta meu exercício de desver o mundo do câncer como fatalmente estigmatizado pela sociedade contemporânea e apresentar perspectivas, através da criação da cena fílmica, de fatores complexos que podem atuar como pano de fundo para esta delicada travessia. O presente trabalho se propõe a articular este exercício artístico, que parte de uma perspectiva feminista (Hanisch, Sardemberg), ao caráter autobiográfico e ao modo performático conforme autores abordados.
Bibliografia
- AMAZONA. Direção, roteiro e produção: Luciana Barone. (13’50’’). Soul Cênica, 2023.
BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Campinas: Papirus,1997.
HANISCH, Carol. The personal is political. (Fevereiro de 1969). Disponível em https://carolhanisch.org/CHwritings/PIP.html. Acessado em março de 2024.
LEJEUNE, Phillipe; NORONHA, Jovita Maria Gernheim (org.). O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2005.
NICHOLS, Bill. “Performing Documentary.”In Nichols, Bill. Blurred Boundaries: questions of meaning in contemporary culture. Bloomigton and Indianapolis: Indiana University Press, 1994, p. 92-106.
SARDENBERG, Cecilia. O pessoal é político: conscientização feminista e o empoderamento de mulheres. Inclusão Social. Brasilia. Vol 11, no 02, p. 15-29, jan/jun/2018. Disponível em https://revista.ibict.br/inclusao/article/view/4106
Acessado em março/2024.