Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Carlos Eduardo da Silva Ribeiro (UFRGS)

Minicurrículo

    Doutor (Comunicação – UFRGS), com bolsa CAPES; Mestre (Sociologia – UFPel)

Coautor

    Miriam de Souza Rossini (UFRGS)

Ficha do Trabalho

Título

    Os usos da narração em Martírio (2016), de Vincent Carelli

Formato

    Presencial

Resumo

    Partindo de uma análise fílmica, a proposta desta apresentação é problematizar o modo como no filme Martírio (2016), de Vincent Carelli, materializam-se as funções da narração, todas feitas na voz de Carelli (que também é roteirista, diretor, personagem e eventualmente câmera do documentário). A expressão da subjetividade do autor converge expressões ora confessionais e subjetivas, ora militantes, ora pedagógicas; de modo que o trabalho se propõe a dirimir essas diferenças.

Resumo expandido

    Partindo de uma análise fílmica, a proposta desta apresentação é problematizar o modo como no documentário Martírio (2016), de Vincent Carelli, materializam-se as funções da narração, todas feitas na voz de Carelli (que também é roteirista, diretor, personagem e eventualmente câmera do documentário). A questão é importante na medida em que Carelli assina a codireção do filme com o também documentarista Ernesto de Carvalho e com a montadora Tatiana Almeida. Além disso, a obra é feita junto com os Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que em vários momentos assumem juntos os rumos do filme, que fala de sua longa jornada para reaver suas terras. Na abertura do documentário, Carelli já declara a intenção de entender as dimensões do conflito que envolve o grupo indígena contra o poderio econômico e político do agronegócio. Por isso, na definição de Rubem Caixeta de Queiroz (2016, p. 124), Martírio é “um filme de investigação”. O filme tece as inquietações, perspectivas e experiências pessoais de Vincent Carelli em relação aos Guarani Kaiowá com questões mais alargadas do panorama político e histórico brasileiro. Sabemos quem nos fala no interior do filme desde a primeira inserção da voz do narrador (“Fui levado ao Mato Grosso do Sul…”). Há um “eu” em jogo, um sujeito que é nomeado e que aparece também em frente à câmera. A narração assume o ponto de vista em primeira pessoa desse diretor não indígena, e sua voz eventualmente também é recurso para prover informações em um sentido didático. Assim, a narração do filme comporta uma tensão entre, por um lado, uma forte carga subjetiva por parte do diretor e, por outro, algum norte de objetividade no tom didático e informativo que se expressa na retomada dos momentos históricos, na apresentação de números, fatos e nas imputações causais que os conectam. Dito de outro modo, o uso da narração no filme expressa dois movimentos principais e paradoxais entre si: a assunção de um sujeito narrador (Carelli) e a diluição desse sujeito. A voz do autor, sua trajetória, subjetividade e corpo estão amplamente implicadas no filme. Dito isso, sua posição escapa ao individualismo ou solipsismo justamente por pôr-se a serviço de uma causa que lhe é externa. André Brasil identifica três gestos constitutivos do lugar de fala em Martírio, sendo o primeiro a “elaboração de um discurso didático, que prioriza a explicação histórica” (Brasil, 2018, p. 4), e outros dois que “retiram Martírio da posição de distanciamento esclarecido sobre a realidade do ‘outro’ [construído pelo didatismo], para [então] implicá-lo na história em aliança com aqueles que são filmados” (ibid.). O primeiro deslocamento em relação a um discurso didático e de explicação histórica é imiscuí-los à intervenção no presente. Trata-se justamente da “recusa aos limites entre narrar e intervir, entre cena e mundo, o que instaura um lugar de fala liminar, que permite passar sem cessar de um a outro” (Ibid., pp. 4-5). O último é a voz indígena. André Brasil (2016, p. 153) já havia notado que “ainda que os enquadramentos [do filme] sejam sóbrios e ainda que a voz [da locução] seja clara e determinada, variam os tons e os efeitos que produzem”, de maneira que Martírio se debate com o trabalho de encontrar a medida que não está dada a priori entre os diferentes tons da narração. O contato com o “outro” (os Guarani Kaiowá), por sua vez, também transforma o sujeito narrador que enuncia e transforma o próprio filme, que se abre à escuta e cede a palavra . A expressão da subjetividade do autor converge expressões ora confessionais e subjetivas, ora militantes, ora pedagógicas; de modo que o trabalho se propõe a dirimir essas diferenças. A proposta é também recorte de tese defendida em 2023 no PPGCOM/UFRGS (Ribeiro, 2023).

Bibliografia

    BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, n. 26. Campinas, p.
    329–376, 2006.

    BRASIL, André. Rumo a Terra do Povo do Raio: retomada das imagens, retomada pelas
    imagens em Martírio e Ava Yvy Vera. In: Encontro Anual da Compós, XXVII, Pontifícia
    Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.

    BRASIL, André. Cineastas-guardiões: hipótese sobre a autoria no cinema indígena. In:
    Encontro Anual da Compós, XXX, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021.

    QUEIROZ, Ruben Caixeta de. Martírio: o genocídio lento e angustiante de um povo indígena nas lentes de Vincent Carelli. In: Catálogo do Forum.doc. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2016.

    RIBEIRO, Carlos Eduardo da Silva. Potências e atualizações do documentário militante em
    Martírio (2016). 2023. Tese (Doutorado em Comunicação) – PPG Comunicação, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio
    Grande do Sul, Porto Alegre, 29 jun. 2023.