Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    RODRIGO CORREA DA FONSECA (UFF)

Minicurrículo

    Graduado em Letras e mestre em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, mestrando em Literaturas e Doutorando em Cinema pela mesma universidade. Bolsista Capes.

Ficha do Trabalho

Título

    Crise do corpo e do sensível em Vive L’amour, de Tsai Ming-Liang

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta proposta de comunicação persegue a hipótese de que Vive L’amour (1993), de Tsai Ming-Liang, põe em cena uma crise do corpo que é central para o pensamento acerca do contemporâneo se o pensamos em termos de uma ambivalente continuidade e ruptura com o motivo cartesiano da supressão da corporalidade concreta como cerne da vida humana. Para tanto, recuperamos as ideias de Hans Ulrich Gumbrecht, especialmente suas obras “Produção de Presença” (2010) e “Nosso amplo presente’’ (2015).

Resumo expandido

    Esta proposta de comunicação persegue a hipótese de que Vive L’amour (1993), de Tsai Ming-Liang, põe em cena uma crise do corpo que é central para o pensamento acerca do contemporâneo se o pensamos em termos de uma ambivalente continuidade e ruptura com o motivo cartesiano da supressão da corporalidade concreta como cerne da vida humana. Em uma de suas cenas, um personagem solitário, que vive escondido em um apartamento, deita-se sobre uma cama vazia e começa a se masturbar. O ato é interrompido quando uma mulher, Mei, chega acompanhada de um homem, Ah-jung. O invasor esconde-se embaixo da cama e mulher e seu parceiro deitam sobre ela, onde se beijam e interagem sexualmente.
    Embaixo da cama, vemos o jovem invasor, estático, a observar, ainda que apenas ouvindo, o casal e seus toques. Voltamos a ver Mei e Ah-jung que passam as mãos um pelo outro até que começam a tirar suas roupas. A câmera desloca-se, outra vez, para debaixo da cama de onde vemos um movimento – o do colchão que acompanha o barulho do ato sexual do casal – e um não-movimento – o jovem rapaz permanece estático. Outro corte e vemos as mãos do jovem invasor que volta a masturbar-se.
    Há, na cena em questão, a crise central do filme: a da experiência sensível na forma de impossibilidade e desejo. Enquanto, em cima da cama, há o toque, há, embaixo dela, um outro – um não toque que é, acima de tudo, um desejo de toque que irá evoluir, por falta de um outro a quem tocar, para um toque em si mesmo. Tal afirmação é corroborada pela cena seguinte: depois que Mei vai embora do apartamento e deixa seu companheiro adormecido em cima da cama, o invasor levanta-se do chão, e, deita-se sobre a cama com o outro rapaz que o abraça como se pensasse estar ainda ao lado da mulher. O invasor beija-o e retira-se.
    Em Produção de Presença, Hans Ulrich Gumbrecht discorre acerca dos hábitos de pesquisa dentro das humanidades e aponta um esgotamento oriundo de uma fixação naquilo que o sentido pode oferecer. Para o autor, esse modelo analítico – e essa forma de vida, é preciso reforçar – tão exaustivamente empregada na modernidade está intrinsecamente associada a um modo específico de autorreferência que ganhou força no renascimento: quando o homem passa a perceber-se e entender-se enquanto sujeito observador do mundo, excêntrico a ele. A partir dessa configuração de homem, que não vive no mundo, mas o observa à distância, a figura humana distancia-se cada vez mais do corpóreo para concentrar-se no aspecto intelectual de sua existência.
    A contemporaneidade, atravessada pelas questões da globalização, ocorre como uma “extensão da modernidade enquanto resultado da sua convergência com o motivo cartesiano de exclusão do corpo como parte da autorreferência humana” (GUMBRECHT, p. 38). A tecnologia, como força motriz da globalização, também contribui para um “desgaste da corporalidade concreta enquanto substrato da vida humana” uma vez que, sendo o suporte para que a globalização seja possível, ao mesmo tempo que reforça nosso controle sobre o espaço do planeta, num movimento ambíguo, também exclui o espaço quase que completamente de nossa existência
    Para Gumbrecht, há uma mudança no que diz respeito à concepção do presente da modernidade para a contemporaneidade. Na modernidade, o presente apresenta-se encurtado, estreitado, meramente transicional, combinando com a ideia de ser humano incorpóreo sedimentada por Descartes. Na contemporaneidade, no entanto, não vivemos mais em um presente abafado por um futuro repleto de esperança, mas num presente que expande-se porque nele há um acúmulo de passados e nenhuma perspectiva de futuro. Este nosso presente amplo já não pode mais ser o presente do sujeito cartesiano, por isso, na contramão de uma tradição que buscou aniquilar o homem orgânico, ou corpóreo, e mesmo em um mundo tecnológico, digital e globalizado, parece haver, talvez como resposta aos efeitos dessas questões, um interesse em recuperar as dimensões do espaço e do corpo.

Bibliografia

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Serenidade, presença e poesia; Seleção e tradução Mariana Lage. Belo horizonte: Relicário edições, 2015.