Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Priscila de Assis Lopes de Andrade (UFC)

Minicurrículo

    Priscila Smiths é artista visual e realizadora em audiovisual. Assinou direção nos curtas-metragens O Vigia (2017) e Curió (2022), que participaram de diversas exibições nacionais e internacionais, ganhando algumas premiações. Graduada em Artes Visuais pelo Instituto Federal do Ceará, mestranda em Artes pelo PPGARTES-UFC. Seus trabalhos e pesquisas são voltados para o cinema do gênero terror, com recorte em realizadoras negras.

Ficha do Trabalho

Título

    Mulheres negras e cinema de terror: águas, fantasmagorias, fabulações

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Por meio de análises fílmicas comparativas das obras Pattaki (Everlane Moraes, 2019) e Atlantique (Mati Diop, 2019), será investigada a construção do universo de terror e fantástico, a partir do diagnóstico de uma lacuna de diretoras negras na construção do gênero e suas convenções. Será trabalhado o método de “fabulação crítica” (HARTMAN, 2020). O eixo comparativo será a água, entendida como máquina do tempo (MOTTA, 2021), junto a questões raciais no gênero de horror (COLEMAN, 2019).

Resumo expandido

    O terror nasce com o ser humano e permanece não só na concepção de sobrevivência, mas também de afeto (CARROLL, 1999). Os animais têm apenas o medo de ser devorado, enquanto os humanos têm medos variados, por isso existiria a “necessidade de escrever sua história” (DELUMEAU, 2001, p. 23). A presença da mulher negra nos filmes de terror e fantástico por muito tempo foi um “fantasma renegado” (DAVIS, 1978, p. 43, apud GORDON, 2008). Quando se materializa em corpo passa a ser através de personagens com menos tempo em tela. Nas produções contemporâneas, temos uma maior participação desses corpos no processo criativo por trás das telas (como diretoras). Como se dá a presença da mulher negra na construção do gênero na contemporaneidade a partir de uma existência fantasmagórica até então? Como pensar o fantasmagórico na sua capacidade de diagnosticar sintomas históricos na formação social? Partimos do entendimento de que a ausência e a presença desses corpos dentro do cinema de terror permite “um exame contemporâneo do entendimento a respeito das pessoas negras”, por estereotipações, opressões, mas principalmente, por subversões (COLEMAN, 2019).

    O mar é revolto em Atlantique, longa-metragem senegalês de Mati Diop, que parte da história de Ada e Souleimane. Após três meses sem receber pelo serviço, Souleimane e outros operários tentam atravessar o mar com destino à Europa, não sobrevivendo à travessia. Esses operários retornam através da possessão ao corpo de suas companheiras, que saem em bando para cobrar a dívida. O filme utiliza recursos fantasmagóricos para apontar críticas sociais, se deslocando através do atlântico para trazer uma relação direta com o atravessamento a que corpos negros foram submetidos nas diásporas coloniais e comtemporâneas.

    O mar é calmo em Pattaki. O curta-metragem brasileiro, em co-produção cubana, dirigido por Everlane Moraes, trabalha a criação da atmosfera fantasmagórica através de paisagens sonoras e visuais do mar e da água. A escassez de água, problema que Cuba enfrenta, é representada em simbolismo e contradições, através de baldes de água pelas cenas, gotas pingando, peixes se debatendo em uma poça no asfalto. A água é o elemento que conecta todos os personagens, por sonho, por sede, por transe, por fluido, e os transporta até à Deusa do Mar, em uma relação de oferenda à Iemanjá, entidade religiosa de matriz africana.

    O encontro das marés nos filmes nos apresenta a elaboração de imagens insólitas que dialogam com as convenções do gênero do terror, conectadas a partir do elemento da água, através do mar atlântico como encontro. Cuba, Brasil e Senegal são interligados por ele, o oceano onde foram traficadas pessoas escravizadas, corpos afogados e jogados ao mar nessa travessia: “matar era parte do trabalho no mar” (HARTMAN, 2021, p. 178). Pessoas escravizadas tinham muito medo do mar, de serem comidos por ele (ibidem). Para esses corpos, o mar seria o próprio signo do terror, carregado de simbologia e ameaça. “Algumas memórias são presságios”, frase de Atlantique, que carrega a história atlântica como indicação cautelosa ao futuro. O mar como elemento fluido transpassa os filmes como uma pororoca, macaréus, ou estrondo, no encontro de águas calmas e revoltas, em um infinito e cíclico tempo das águas, em indefinido fluxo.

    O terror e o fantástico nesses filmes experimentam, a partir da fabulação de diretoras negras, singularidades dentro do processo de concepção narrativa e estética. Refletir sobre essas obras e o conceito de fabulação dentro de uma epistemologia negra é conjecturar fundamentos na “criação de estéticas negras diaspóricas e decoloniais” (FREITAS; BARROS, 2018, p.106). O mar é memória fantasma transversalizada nas obras: no terror, no mistério, no fantástico. Essa memória se faz na instabilidade das águas que lançam os filmes sobre o mar e os tempos atlânticos. Tudo se passa em um movimento que contribui para o alargamento e alteração de paradigmas históricos, estéticos e sociais.

Bibliografia

    CARROL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. São Paulo: Papirus, 1999.
    COLEMAN, Robin R. Means. Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2019.
    DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente 1300-1800 uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
    GORDON, Avery. Ghostly matters: haunting and the sociological imagination. Minneapolis: New University of Minnesota Press, 2008.
    HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe: uma jornada pela rota atlântica da escravidão. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
    HOOKS, bell. Olhares Negros: Raça e Representação. São Paulo: Elefante, 2019.
    FREITAS, Kênia; BARROS, Laan. “Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro”. Dossiê Racismo – revist as.ufrj.br/index.php/eco_pos – ISSN 2175-8689 – v. 21, n. 3, 2018.
    MOTTA, Aline. A água é uma máquina do tempo. São Paulo: Círculo de poemas, 2022.