Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Cintya Ferreira Mendes (UFF)

Minicurrículo

    Cintya Ferreira desenvolveu a dissertação “Filho da Lua: Zózimo Bulbul e as aproximações entre Compasso de Espera e Alma no Olho” no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine -UFF). Trabalha como editora e oficineira e faz parte do Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Imagem e Som (KUMÃ).

Ficha do Trabalho

Título

    As mãos de Zózimo

Seminário

    Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência

Formato

    Presencial

Resumo

    O ano era 1973. Quase uma década de ditadura civil-militar. Duas novidades ocorrem na carreira de Zózimo Bulbul: seu primeiro protagonista no cinema com o longa-metragem Compasso de Espera (Antunes Filho) e sua estreia na direção com o curta-metragem Alma no Olho. A partir de uma análise desses dois filmes, esta comunicação pretende perceber as continuações de um filme para o outro e enxergar de que forma os gestos que permanecem são modificados, reinventados.

Resumo expandido

    O ano era 1973. Quase uma década de ditadura civil-militar. Estamos no final do Governo Médici. O Milagre Econômico ainda dá suas caras junto de uma dívida externa que ultrapassa 12 milhões (ALVES, 2005, p.177). A BR-230, mais conhecida como Transamazônica, foi inaugurada no ano anterior e a obra da Ponte Presidente Costa e Silva, a Rio-Niterói, será concluída no ano seguinte. Geisel se lança à presidência e assumirá em 1974. Faz onze anos desde que Zózimo Bulbul se lançou no cinema com o episódio Pedreira de São Diogo (Leon Hirszman, 1962).

    O ano era 1973 e duas novidades ocorrem na carreira de Bulbul: seu primeiro protagonista no cinema com o longa-metragem Compasso de Espera (Antunes Filho) e sua estreia na direção com o curta-metragem Alma no Olho. No filme de Antunes, acompanhamos o publicitário e poeta Jorge, interpretado por Bulbul, navegar o mundo que o cerca. A dicotomia dos trabalhos de Jorge aparece na totalidade do filme: um homem negro em espaços marjoritariamente brancos, um triângulo amoroso, as conversas sobre separatismo e integracionismo no movimento negro, um intelectual que trabalha dentro da indústria cultural. Já em Alma no Olho somos arrebatados pela épica experimental da diáspora negra e Zózimo interpreta todos os personagens/tipos em cena.

    Os filmes possuem diferenças óbvias, no entanto em 2001 Zózimo Bulbul afirma que após ler Alma no Exílio de Eldridge Cleaver, pensou no seu primeiro curta-metragem como uma continuação de Compasso de Espera (Entrevista concedida a TV Brasil). Rapidamente, duas permanências se pronunciam de um filme para o outro: a película e o corpo de Bulbul. O curta-metragem foi filmado com as sobras da película “Plus X e 4X”(BULBUL, 2014) do longa-metragem dirigido por Antunes. Este negativo elimina os cinzas e tornam as cores preto e branco mais acentuadas. O ator em cena é o mesmo; as atuações, distintas. Enquanto o corpo de Jorge é retraído, subjugado, em Alma no Olho há uma explosão do corpo em performance.

    Compasso de Espera faz parte de um conjunto de obras que retratam a crise do intelectual pós golpe de 1964, como os filmes Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967) e O Desafio (Paulo César Saraceni, 1965). No entanto, há uma diferença essencial: Jorge é um intelectual negro e isso molda a forma como ele é percebido e percebe o espaço que o cerca. Alma do Olho parte também de uma mudança de perspectiva: o mundo é visto pela história do negro, a obra aposta numa reimaginação do mundo. A imagem é testemunha de tal aposta. É preciso então voltar para Compasso de Espera, se apropriar de seus gestos e inventar algo novo. Pronto, daí surge o ponto de partida deste trabalho: mais do que perceber as continuações de um filme para o outro, enxergar de que forma os gestos que permanecem são modificados, reinventados.

    Os dois filmes são em preto e branco e se utilizam das cores como metáfora da situação do negro. As cartelas iniciais, na sua totalidade branca ou preta, dizem do filme que se apresenta em seguida. Se Compasso de Espera utiliza da brancura da tela (cartelas brancas e letras pretas) para nos dizer que o filme é sobre esse mundo branco que cerca o personagem principal. Alma do Olho utiliza cartelas pretas, essas mais usuais no cinema. Ao colocar os dois filmes em relação, as cartelas clássicas se distanciam de um lugar comum no cinema para assumir uma dimensão política. Em ambos filmes, as mãos de Zózimo Bulbul são destacadas em sequências centrais das obras. Podemos dividir em dois tipos de aparecimento: um que revela a violência que os personagens vivenciam e o outro que aponta um tipo de autoconhecimento dos mesmos. Há ainda o mecanismo de um corpo que preenche a tela e a torna completamente negra. Tal gesto que escancara o racismo em Compasso de Espera, é reivindicado por Bulbul em Alma no Olho e sinaliza uma apoderação do cinema. Por meio de uma análise dos filmes, o trabalho se propõe a investigar a continuação e ressignificação de gestos entre as duas obras.

Bibliografia

    ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, São Paulo: EDUSP, 2005.

    BULBUL, Zózimo. Entrevista concedida ao programa 3 a 1. TV Brasil. 2011. Disponível em

    DE, Jefferson; VIANA, Biza (org.). Zózimo Bulbul uma alma carioca. Rio de Janeiro: Centro Afro Carioca de Cinema: Fundação Palmares, 2014.