Ficha do Proponente
Proponente
- Mariana Lucas (UFF)
Minicurrículo
- Mariana Lucas é pesquisadora e historiadora. Doutoranda em Cinema e Audiovisual pela UFF, com o projeto de pesquisa “Mapa para mina de ouro: atualidades coloniais na ditadura militar brasileira”. Mestre em História Social pela PUCSP. Desde 2014 atua como professora na FAAP (São Paulo)
Ficha do Trabalho
Título
- Diário de uma catástrofe: Belém-Brasília- Transamazônica (1973)
Seminário
- Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência
Formato
- Presencial
Resumo
- O presente trabalho almeja analisar as relações de memória e testemunho no diário-filmado “Belém-Brasília- Transamazônica ” de Jorge Bodanzky. Realizado em super-8, as imagens captadas por Bodanzky carregam em si, uma dupla função enquanto fonte. De um lado; o testemunho da ação do projeto desenvolvimentista na região Amazônia, de outro; um material de arquivo documental que servirá como base para o longa-metragem Iracema uma transa amazônica (1974).
Resumo expandido
- Em 1973, o cineasta Jorge Bodanzky realizou uma jornada cinematográfica ao atravessar as principais rodovias que conectam a região norte do Brasil ao resto do país. Utilizando uma câmera Super-8, Bodanzky registrou imagens ao longo das estradas Belém-Brasília e Transamazônica. O projeto que posteriormente deu origem ao filme Iracema uma transa amazônica (1974), apresenta o testemunho de um território em transformação, nas imagens uma paisagem sufocantemente terrosa emerge, cheia de caminhões e colonos vagando na beira da estrada com suas famílias e bagagens.
A paisagem em transformação torna-se o eixo de estruturação do filme em questão, não enquanto cenário de um futuro possível, mas como testemunho de uma catástrofe. As imagens indicam um mundo em transformação: carros, caminhões, estrada, não há unidade possível, tudo se movimenta de maneira rápida e inegociável. O uso constante de zoom in e zoom out, reforçam a impossibilidade de capturar o território, seja por meio dos esforços dos trabalhadores em domar a paisagem, ou do próprio cineasta, em enquadrar a imensidão do território.
Assim, é possível identificar no diário-filme de Bodanzky um opaco testemunho em relação à política de imagens durante o regime militar. Por um lado, as imagens evocam a expressão do consenso civil na construção do “Brasil Grande”, um suposto futuro que se tornava realidade durante os anos do milagre econômico. A ocupação da Amazônia, não deixava dúvida quanto ao êxito dos militares. No entanto, essas mesmas imagens aparentemente “trêmulas” e “desorientadas”, explicitam, neste gesto, o aspecto grotesco do projeto de colonização da Amazônia, a partir de uma imersão sensorial, e não dramatúrgica, o registro cinematográfico paira em meios aos fragmentos que buscam dar conta de um violento processo de ocupação.
A errância fragmentada da câmera através das principais rodovias de integração da região norte, exibe um desfile de paisagens em disputa criadas pelo modelo desenvolvimentista. O registro refratário sobre a superficie de uma paisagem em tranformação, onde o garimpo, a prostituição, as queimadas assumem o centro de uma imagem antes ocupada pela floresta, mostra aquilo que há demais predatório e contraditório no modelo de ocupação adotado pela ditadura militar na região.
Há uma quebra de unidade no território que a câmera busca ocupar, todo um novo campo de relações se revela diante da câmera: estéticas, políticas e territoriais. Não há cenas, talvez nem mesmo planos sejam capazes de habitar esse espaço em dissolução. É possível identificar no filme em questão um gesto inaugural que dará o tom no filme de 1974: um horizonte marcado por uma recusa, não há instância organizadora, cada corte, confirma irreparável da história, um presente de depredação que coloca em suspenso um projeto de futuro. A Amazônia se fragmenta, quadro a quadro, quilometro a quilometro.
A perda de referências na paisagem refratária capturada pela super-8 é um prenuncia da convicção fatalista que a jovem Iracema, protagonista do longa metragem, irá anunciar: “meu destino é correr mundo”. O atravessamento das rodovias no diário-filmado apresenta-se não como a completude de um trajeto, mas, sobretudo, como resíduo de uma condição de existência que só é possível no vagar lacunar do desenvolvimentismo.
Bibliografia
- BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
CORDEIRO, Janaina Martins. A ditadura em tempos de milagre: Comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.
DIDI- HUBERMAN, Georges. Casca. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.
OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A Mise en Scène no Cinema: Do Clássico ao Cinema de Fluxo. São Paulo: Editora Annablume, 2010.
SOARES, Felipe Menezes . Amazônia da ditadura: Uma história dos rios e das estradas na colonização do tempo presente. Curitiba: Appri s Editora, 2021.
XAVIER, Ismail. “Iracema: o cinema-verdade vai ao teatro.” Revista Brasileira de Literatura Comparada, vol. 13, no. 1, 2011, pp. 135-148.